terça-feira, 9 de setembro de 2025

se tivesse uma tarefa não morreria ssim

se tivesse uma tarefa não morreria assim
lentamente melancolicamente se tivesse um
norte uma ítaca com sorte uma rosa dos ventos
completa não morreria assim obliquamente ou
abstratamente porém perdeu o norte o vento
fugiu levou as cinzas espalhou as poeiras os
ciscos os lixos a rosa secou não restou nada
que se pudesse justificar uma morte nobre
imensa densa pesada que fosse sentida no
infinito ninguém quer mais carregar um morto
insignificante nas costas quanto mais um vivo
com sua vida que ainda pensa que existe vivo
que ainda existe vida? ou só cadáveres
animados por pílulas choques conservantes
máquinas? cada cadáver mais enfeitado do
que o outro para se parecer vivo para enganar o
coveiro ou o papa defunto do que fica bilionário
com a ilusão do que quer se parecer o mais
brilhante dos astros sem luz da constelação dos
ignorantes dispostos a cobaias ao sacrifício ao
sacrilégio para mostrar que há uma tarefa que
não necessita aglutinar em torno da sensação
ou da emoção que não elevam o coração

BH, 0290802025; Publicado: BH, 090902025.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

não lembro mais de nada quero recordar

não lembro mais de nada quero recordar
já não consigo quero viver uma nostalgia das
antigas noites dos idos dias a memória morreu
a recordação escafedeu a lembrança virou
andança longe nos tempos quando era criança
tranças cachos carneirinho todo mundo me
tratava com carinho dizíam os mais velhos
que me conheciam guardado num armarinho
num bazar da bagunça butique nada chique
antiquário precário brechó de mossoró venda
sem renda aonde andarão minhas avós meus
avôs seu nestor dona naninha dona madinha
coração conceição seu donato nato da áfrica
na veia sangue forte preto do norte pau de
fumo na mão aqui encaro patrão soldado
delegado capataz capitão do mato enxada
picareta enxadão faca atolada facão mão de
pilão aqui não é zé ninguém nem zé mané é
foice martelo marreta sexta-feira esmaga
crânio de caveira calcanhar encravado em
cabeça de serpente cobra coral cabra da
peste negra preta rebelde pau rolou
navalhada aqui é terra do povo sem medo
povo que mete medo na burguesia na elite
no sistema opressor aqui é povo senhor
acabei por lembrar do meu papel libertador

BH, 040602025; Publicado: BH, 080902025.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

hoje ninguém quer escrever pois se alguém

hoje ninguém quer escrever pois se alguém
quer ler sempre quer ler o mínimo possível o
micro ou nunca quer ler ainda mais se tiver de
ler pensar interpretar raciocinar compreender se
com a maioria do povo de formação na voraz
extrema-direita a dificuldade cognitiva o teor
ininteligível são grandes pois a extrema-direita
detesta a cultura abomina a escrita despreza a
leitura bane o pensamento a filosofia a ciência a
educação o conhecimento só abraça mesmo
a religião até os patriotismo nacionalismo os
extremistas radicais da extrema-direita abriram
mãos não são mais patriotas são apátridas
entreguistas lesa-pátria traidores da bandeira do
país da nação com essa gente infelizmente
livros não têm vez bibliotecas já eram escolas
colégios mesmo faculdades universidades até
vacinas esses extremistas odeiam detestam
colocar lógica em letras diálogos em palavras
ordem ética nos comportamentos justiça nos
atos nada que diz respeito aos autos às
sentenças às frases aos períodos artigos
parágrafos não conhecem mandam tudo às
favas junto com os escrúpulos só fazem
apologia às violências do bope à força bruta do
choque à ditadura do ustra da infantaria da
artilhatia da arbirariedade da rotam ao
desrespeito letal da rota não aceitam direitos
humanos então fica impossível a escrita
invibializada a leitura a sobrevivência da cultura
o resguardo da ciência permanência da
liberdade povo da extrema-direta extermina o que pode

BH, 040902025; Publicado: BH, 050902025.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

vou procurar meu canto nos cantos dos pássaros

vou procurar meu canto nos cantos dos pássaros
vou sair dos cantos das paredes dos recantos
dos muros
vou cantar encantado embalado pela liberdade
quem não quiser ouvir meu canto que tampe os
ouvidos rompas os tímpanos cortes as orelhas
igual van gohg cortou a dele vou soltar a voz
nas estradas como milton nascimento deixes de
lamento agora é canto à alegria com cantoria
com poesia com cantatas de bach pois até
podemos viver sem pão sem vinho porém sem
música de bach ninguém vive não espanei
entào de minh'alma os grãos sacudi das minhas
costas as dunas as poeiras as caspas lêndeas
carrapichos rabichos muquiranas percevejos os carrepatos os chatos as moscas os mosquitos
as muriçocas os pernilongos os zumbidos dos
ouvidos os zunidos das trompas das bigornas
dos martelos das foices dos chinelos
arrastados nos assoalhos tudo límpido agora
tudo clareza beleza música sacra barroca
gregoriana gótica divina de paz de perdão de
amor no coração nada de religião de malafaia
cristão doutras companhias malignas renovei a
voz com conhaque com limão sal bicarbonato
de sódio posso subir ao pódio cantar uma ária
duma ópera na solidão

BH, 040702025; Publicado: BH, 030902025.

agora chegou a hora de pôr em prática

agora chegou a hora de pôr em prática
a equação que estava escondida nas
conjecturas milenares que para o universo
expõe a partícula de deus explica o caos as
teorias seculares secretas teses misteriosas
os ensaios enigmáticos as reminiscências
originais das coisas as reverberações
silenciosas das matérias os coaxás dos sapos
os cantos das rãs os pios das aves os sons
das cigarras os desenganos dos fatos que não
são boatos imateriais designados dos grudes
dos visgos das colas saias debaixo das solas
não abaixas muito ou assolam tua bunda sacudas o tabuleiro ponhas no chão a coleira
as rédeas a sela os freios os cabrestos o paiol
o arsenal o armazém tudo que faz mal não
faz bem o sistema o mercado o dinheiro
deixas dado o recado pegas os freios nos
dentes rompas os laços tiras as tiras das
vistas as tarjas pretas dos olhos liberas as
visões as visagens as paisagens delendas as mídias medievais feudais burguesas elitistas
escravocratas enterres o capitalismo rompas
com o liberalismo sopres as trombetas que
demolirão as teocracias empobreças as
plutocracias prendas as cleptocracias todo
dia é dia de pôr abaixo um preconceito um conservadorismo um pensamento
retrógrado uma ação da idade média um
condado ultrapassado uma tropa de choque
todo dia é dia do povo trabalhador brasileiro
consciente não pelego todo dia é dia de
nação trabalhadora brasileira livre não
patronal todo dia é dia de tirar a civilização
do armário praticá-la às últimas consequências

BH, 040702025; Publicado: BH, 030902025. 

terça-feira, 2 de setembro de 2025

ninguém tem a solução para nada hoje pois

ninguém tem a solução para nada hoje pois
todo mundo pensa que a única solução para
tudo é o dinheiro até pastores que pregam
dos céus o reino só querem soluções trazidas
pelos dinheiros muito dinheiro então agora
proliferaram-se igrejas bancos cassinos casas
de apostas loterias bancas de jogos de azar
que azar fecham-se bibliotecas faculdades
universidades abrem-se mercados bolsas de
valores casas de câmbios financeiras lojas de
empréstimos por financistas aumentam-se
números de desgraçados miseráveis pobres
fecha-se o ciclo de bilionários milionários
ricos que vivem das transferências dos que
trabalham para sustentá-los com os suores
com os investimentos com os sonhos que
nunca serão realizados numa vida que nunca
será realidade mas quando pensamos que
enfim daremos um passo à frente com uma
evolução um front de revolução vem trump com
um retrocesso vem bolsonaro com um pesadelo
o mundo entra em total desespero humanidade
em parafuso o ser humano em queda livre a
raça humana em desgraça as soluções viram
loucuras as sujas cadeias transbordam-se os
hospícios tristes enchem-se com lotações
esgotadas os caros cemitérios não cabem mais
os mortos iludidos os shoppings catedrais do
consumo  ficam inacessíveis aos trabalhadores
comuns que não fazem consumo do que produzem

BH, 0200802025; Publicado: BH, 020902025.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

pensas que é fácil não te ver mais nas coisas onde estavas impregnado?

pensas que é fácil não te ver mais nas coisas onde estavas impregnado?
deves pensar que também é fácil respirar o ar que respiravas
agora não respiras mais pois as coisas sem ti não são mais coisas o
ar sem ti não é mais ar até o universo sem ti não é mais universo
imaginas eu que nunca fui nada nunca que nunca tive nada
agora sem ti? as coisas me são estranhas até as minhas entranhas
estranho o ar sufoca-me asfixia-me fico sem fôlego afoga-me a
água o universo regurgita-me vomita-me como se fosse uma
comida podre os meus organismos traem-me a todo momento
infecções intestinais queimações estomacais
instabilidades
estruturais pereço sem ti nos meus elementos
naturais alimentos não saciam-me mais fome sede prazer
feneço sem ti a todo momento perdi altura confiança
segurança falta-me chão sinto só comichão pelo corpo todo
doloroso doloso culposo tantas gentes já perderam tudo
depois que te perdi até agora hoje neste exato instante
não acostumei-me com a tua ausência perder-te foi
demais para mim já não vivia não vivo nem conseguirei viver
mais a única fo te que me saciava era p amor que sentia por ti
que todo mundo agora sicia que tenho que esquecer ou que
tenho que deixar-te em paz a ruminar minhas mortes

BH, 0270502025; Publicado: BH, 01⁰0902025.

aqui do barranco da boca da entrada da favela

aqui do barranco da boca da entrada da favela
deparo com os santos que saem de nadrugada
para os trampos quando não dão de cara com a
polícia assassina voltam aos seus barracos aos
cantos aos seus barracões uns bêbados outros
nem tanto só fumam uns cheiram umas
queimam pedras o que resta para enfrentar a
elite confrontar a burguesia quando não
conseguem desviar das rotas dos itinerários
das balas perdidas são atingidos em cheio no
meio da cara na cabeça na pele no osso que
alvoroço seu moço não tenho nem para o
almoço sou trabalhador assalariado mínimo
não sou mimado sou minado não fazes isso
não não tenho pai não tenho mãe nunca roubei
sou preto pelo destino negro por antepassado
ancestral se soubesse que seria assim tão ruim
ser preto pobre não teria nem nascido se
dependesse de mim tira a bota de cima da
minha cara não consigo respirar minha nega vai
chorar se eu não chegar se ela tiver chegado
viva hoje no barracão isso é marmita suja vazia
celular comprei à prestação podes levar para
averiguação se não quiseres não precisas nem
devolver me deixas chegar em casa mesmo
com a cara amassada cheia de lama não
carrego arma só carrego meu drama meu
carma minha sarna de ser filho de negra com
preto de pobre sem vda ou até sem destino
agradeço ao senhor pela oportunidade nem
sinto mais o safanão nem o pisão no meio da
cara suja tenho que correr para a felicidade do
meu barracão a alegria do meu coração

BH, 040602025; Publicado: BH, 01⁰0902025.