segunda-feira, 5 de junho de 2023

e desde menino nunca tive a mente iluminada

e desde menino nunca tive a mente iluminada
ou a cabeça aberta ou o crânio neandertal
arejado
só o crânio de cromagnon petrificado
e a única cabeça aberta que tinha era a cabeça
rachada de samba lê lê que nunca pensou
e ainda mais agora que está quase
septuagenária é que não vai pensar
e só por pedradas doutro menino era que às
vezes a caixa era arrebentada
e me viciaram em gammar
e nada de raciocinar
e me entupiram de memoriol
e nada de memorizar
ou de lembrar
ou de recordar
ou de mentalizar
e me afogaram de biotônico fontoura
e ficava raquítico
e sem atitude
e sem ânimo
e nem as surras
e as tacas me despertaram
e pelo contrário me inibiram muito mais
e continuava criança obscura que a
vizinha chamava de menino malino com
olhos de criminoso assassino
e fui assim já condenado na infâmia da
infância
e morria afogado nos rios rasos sob os risos alheios
e corrias de brigas
e de bois que pensava que eram bravos
e não enxergava um palmo à frente do nariz
devido à miopia tardiamente detectada
e não escutava direito
e esquecia as rezas
e as orações
e as preces que aprendia
e os óculos nas cachoeiras
e os quebrava
nas peladas do futebol nos campinhos
e piado desde então virei piada de quatro olhos
e nunca mais deslanchei dessas amarras
malditas das cavernas 

BH, 02701002021; Publicado: BH, 060902022.

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