segunda-feira, 2 de julho de 2012

Nietzsche, Quanto mais um psicólogo; BH, 020702012.

Quanto mais um psicólogo - um psicólogo predestinado e um
Adivinhador de almas - se volta para os casos e os homens excepcionais,
Tanto mais cresce para ele o risco de ficar sufocado pela compaixão.
Ele tem necessidade de dureza e de alegria mais que qualquer outro homem.
De fato, a corrupção, a corrida para o abismo dos homens superiores, das
Almas de espécie estranha, são a regra: é terrível ter sempre diante dos olhos essa regra.
O martírio múltiplo do psicólogo que descobriu essa corrida para o abismo, que descobre
Uma vez, depois quase a cada vez e na história inteira, essa completa "incurabilidade"
Interior do homem superior, esse eterno "demasiado tarde!" em todos os sentidos - esse
Martírio, digo, poderá um dia impeli-lo a se voltar com amargura contra seu próprio
Destino e tentar se destruir - "perder-se", ele mesmo.
Observa-se em quase todos os psicólogos uma inclinação significativa e um prazer em
Frequentar homens comuns e ordenados: o psicólogo deixa entrever com isso que
Sempre tem necessidade de curar, que tem necessidade de fugir, de esquecer, de rejeitar
Aquilo que seu olhar, seu bisturi e "ofício" colocaram em sua consciência.
O medo de sua memória lhe é peculiar.
Chega muitas vezes a calar diante de juízos alheios: então escuta com um semblante
Impassível para entender como se honra, se admira, se ama, se glorifica aquilo que ele viu
 - Ou esconde ainda mais seu mutismo aprovando de modo expresso uma opinião
Qualquer de primeira linha.
O paradoxo de sua situação pode ir muito longe no horror quando é justamente ali onde
Começou a grande compaixão ao lado do grande desprezo que a massa, os civilizados,
Os exaltados manifestam de seu lado a grande veneração - a veneração pelos "grandes
Homens" e palos animais prodigiosos, em nome dos quais se bendiz e se honra a pátria,
A terra, a dignidade humana e a si mesmo, para os quais se atrai a atenção da juventude,
À qual são oferecidos como modelos...
E quem sabe se até agora em todos os casos importantes não se produziu o mesmo
Fenômeno: a multidão adorava um Deus - e o "Deus" não passava de uma pobre vítima!
O sucesso foi sempre um grande mentiroso - e a própria "obra" é um sucesso; o grande
Homem de Estado, o conquistador, o descobridor são disfarçados em suas criações até
Se tornarem irreconhecíveis.
A "obra", aquela do artista, do filósofo, inventa em primeiro lugar aquele que se criou,
Que se supõe que a tenha criado; os "grandes homens", da maneira com são honrados,
São maus e pequenos poemas feitos tarde demais; no mundo dos valores históricos
Reina a falsa moeda.
Esses grandes poetas, por exemplo, os Byron, os Musset, os Poe, os Leopardi, os
Kleist, os Gogol - tais como são, tais como é preciso talvez que sejam - homens do
Momento, exaltados, sensuais, infantis, passam bruscamente e sem razão da confiança
À desconfiança: com almas que escondem geralmente alguma rachadura; vingando-se
Muitas vezes com suas obras de uma sujidade íntima, procurando muitas vezes com
Seu voo fugir de uma memória demasiado fiel, muitas vezes desgarrados na lama e
Quase se comprazendo até que se tornem semelhantes aos fogos fátuos que, agitando-se
Em torno dos pântanos, se disfarçam em estrelas - o povo os chama então idealistas -
Muitas vezes em luta com prolongado desgosto, com um fantasma de incredulidade que
Reaparece sem cessar, os esfria e os reduz a ter fome de glória, a alimentar-se da "fé em
Si mesmos" que alguns aduladores inebriados lhes alcançam.
Que mártires são esses grandes e em geral os homens superiores, aos olhos daquele que
Uma vez os descobriu!
É bem incompreensível que sejam justamente, para a mulher - que é clarividente no mundo
Do sofrimento e, infelizmente também, ávida em ajudar e socorrer para muito além de suas
Forças - uma presa tão fácil das explosões de uma compaixão imensa e devotada que
Até o sacrifício.
Mas a multidão, e sobretudo a multidão que venera, não os compreende e descreve essa
Compaixão com interpretações indelicadas e vaidosas.
A compaixão se engana invariavelmente sobre sua força: a mulher gostaria de se persuadir
Que o amor pode tudo - essa é uma crença própria.
Ai!
Aquele que conhece o coração humano adivinha quão pobre, estúpido, impotente,
Presunçoso, inábil é o amor, mesmo o melhor, mesmo o mais profundo, que destrói mais
Facilmente do que o reconforta!
 - É possível que, sob a santa lenda e o disfarce da vida de Jesus, se esconda um dos casos
Mais dolorosos do martírio do conhecimento do amor, o martírio do coração mais inocente
E mais ávido, ao qual não bastava nenhum amor humano, do coração que desejava o amor,
Que queria ser amado e nada mais que isso, com dureza, com frenesi, com terríveis explosões
Contra aqueles que lhe recusavam o amor; a história de um pobre ser insatisfeito e insaciável
Ao amor, de um ser que teve de inventar o inferno para nele precipitar aqueles que não
Queriam amá-lo - e que, por fim, esclarecido sobre o amor dos homens, foi forçado a inventar
Um Deus que fosse todo amor, totalmente potência do amor - que teve piedade do amor
Humano porque esse amor é tão miserável, tão ignorante!
Aquele que sente assim, que conhece assim o amor - procura a morte.
Mas por que perseguir coisas tão dolorosas?
Se não somos obrigados a isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário