segunda-feira, 2 de julho de 2012

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Símbolos; BH, 020702012.

Símbolos?
Estou farto de símbolos...
Uns dizem-me que tudo é símbolo.
Todos me dizem nada,
Quais símbolos?
Sonhos...
Que o sol seja um símbolo, está bem...
Que a lua seja um símbolo, está bem...
Que a terra seja um símbolo, está bem...
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa
E ele rompe das nuvens e aponta atrás das costas
Para o azul do céu?
Mas quem repara a luz senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos monte
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra...
Bem, vá que tudo isso seja símbolos...
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando menos,
O sol entre farrapos findos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doira a cabeça da costureira que para vagamente à esquina
Onde se demorava outrora (mora perto) com o namorado que a deixou?
Símbolos?
Não quero símbolos...
Queria só - pobre figura de magreza e desamparo! - 
Que o namorado voltasse para a costureira.

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