terça-feira, 19 de novembro de 2019

E sou este rato morto, RJ, 1977; Publicado: BH ,O1901102019.

E sou este rato morto
Na beira desta calçada
E todo mundo passa
E passa longe
Ai que nojo
Olha um rato morto
Salta por cima
Que nojeira
Um rato morto
E sou um rato morto
Na beira duma calçada
O queijo que fui roer
Estava envenenado
Agora estou aqui
Morto e esticado
E sou um rato morto
Rato podre e mofado
E nem as moscas e mosquitos
Se atrevem a pousarem em mim
E uma barata que vinha a passear
Pelo canto da parede
E quando me viu
Deu um gritinho
Que horror
Um rato morto
Bem no meio do meu caminho
E sou um rato morto
Na beira desta calçada
E meu corpo inerte
Mete nojo e horror
E até que veio a chegar
Um homem com uma vassoura
E uma pá
Parecia ser um homem bom
E era um lixeiro
Um lixeiro bom
Olhou-me e nem disse nada
E não disse nada
E não sentiu nojo
E não sentiu horror
Um lixeiro bom
Cumpridor dos seus deveres
E pegou-me com todo o cuidado
E colocou-me dentro do carro de lixo
Que alívio sentir
Que alívio sentiu a calçada
Que alívio sentiu o mundo
Que alívio sentiu a barata
Que alívio sentiu o sol
Que ressecava-me os restos de ossos
Até que levaram-me
E não sei mais para aonde
Parecia um grande enterro
Mas foi bom para todos nós
Rato morto
Calçada
Barata
Sol.

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