sábado, 10 de agosto de 2013

Rainer Maria Rilke, O homem que lê.

Eu lia há muito. 
Desde que esta tarde 
Com o seu ruído de chuva chegou às janelas. 
Abstraí-me do vento lá fora: 
O meu livro era difícil. 
Olhei as suas páginas como rostos 
Que se ensombram pela profunda reflexão 
E em redor da minha leitura parava o tempo. 
 De repente sobre as páginas lançou-se uma luz 
E em vez da tímida confusão de palavras 
Estava: tarde, tarde... em todas elas. 
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já 
As longas linhas, e as palavras rolam 
Dos seus fios, para onde elas querem. 
Então sei: sobre os jardins 
Transbordantes, radiantes, abriram-se os céus; 
O sol deve ter surgido de novo. 
 E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança: 
O que está disperso ordena-se em poucos grupos, 
Obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas 
E estranhamente longe, como se significasse algo mais, 
Ouve-se o pouco que ainda acontece. 
E quando agora levantar os olhos deste livro, 
Nada será estranho, tudo grande. 
Aí fora existe o que vivo dentro de mim 
E aqui e mais além nada tem fronteiras; 
Apenas me entreteço mais ainda com ele 
Quando o meu olhar se adapta às coisas 
E à grave simplicidade das multidões, 
— Então a terra cresce acima de si mesma. 
E parece que abarca todo o céu: 
A primeira estrela é como a última casa. 

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