Ouço as vozes das vítimas dos sacrifícios
Que foram jogadas dos altos dos abismos nos penedos
Para acalmar a ira dos deuses
Ouço os gritos dos cristãos que foram lançados às feras
Nas arenas dos circos romanos
Sinto o cheiro das carnes queimadas dos hereges
Que não aceitavam o cristianismo
Nas fogueiras da inquisição
Perturba-me os choros dos pajés
Dos curumins das indiazinhas
Pelos que eram mortos
Por não aceitar a catequese dos jesuítas
Dilacera-me o martírio dos negros rebeldes
Que eram dilacerados nos pelourinhos
Ao relho das chibatas chicotes dos seus senhores
Ouço esses lamentos históricos dentro de mim
Não consigo viver
Sinto as dores que as jovens negras escravas sentiam
Ao ser estupradas pela casa grande na senzala
Como posso abrir uma porta
Não pensar na Porta da Viagem Sem Volta?
Donde muitos partiram
Não tiveram o direito
De nem dar uma última olhada na terra que pisavam
Nos seus que ficavam na terra
Jamais sairei desses porões de navios negreiros
Continuarei com os lanhos
As marcas dessas chibatas nas minhas costas
Ouço esse burburinho histórico que sempre me envergonhará
Sou réu confesso
Prisioneiro de todos esses crimes
Não cumpro nenhuma pena pelos meus delitos
Ouço esses corações de atabaques de tantãs
De tambores em suas últimas batidas
Não é mais a batida de alegria
As batucadas de louvores dos terreiros de macumba
É a batida fúnebre
O batuque do féretro
É a batida de luto
O luto pela história que não consegue se apagar
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