sexta-feira, 6 de junho de 2014

Fazer as coisas e depois ficar arrependido e com remorso; BH, 0130402008; Publicado: BH, 060602014.

Fazer as coisas e depois ficar arrependido e com remorso,
É melhor não fazer; o arrependimento e o remorso não valem a pena,
Só servem para deixar quem faz alguma coisa,
Com depressão e consciência pesada e sentimento de culpa;
E particularmente, detesto ficar e me sentir assim, parece-me que fico fraco,
Superficial e flácido; detesto passar mal, ter enjoo e indisposição;
Porém, como diz um amigo meu,
Nem toda hora tem pão quente na padaria;
E como diz um outro, cuida da tua saúde,
Por que da tua vida, já tem quem cuida;
E é justamente quem cuida da vida da gente,
É que fica a nos inculcar, ou à toda hora,
A nos reprimir e a nos dizer o que temos que fazer, ou deixar de fazer;
Minha avó era a que estava certa,
Flatulenta na frente de qualquer um e explicava,
Que, se prendesse o flato, dava nó nas tripas;
E meu avô era o que estava certo,
Então quero estar certo comigo mesmo;
Fazer o que bem entender,
Apesar de já na terceira idade e não sentir remorso
E nem arrependimento;
Já passou da hora de aprender alguma coisa,
Agora é que não aprendo mais nada mesmo;
Nem experiência e nem responsabilidade;
Podem reclamar, podem bater os pés e fazerem cara feia;
Vou assim até ao final da vida, é o meu jeito,
São os meus gestos, acenos e trejeitos;
Penso em agradar a mim mesmo,
Já que agora no final não agrado a mais ninguém;
E nesta fase da vida, já não tenho mais culpa nenhuma,
Já redimi tudo, paguei e nem esperei o troco;
Então, também, peço: não esperem nada de mim,
Não esperem um bom-dia, uma boa-tarde, ou uma boa-noite;
Não esperem um por favor e muito menos um muito obrigado,
Não esperem nem um até logo;
Só um adeus, ou um até nunca mais, gostaram? não,
É lógico que não, também não gostei e estou satisfeito
E se não estiver satisfeito, o problema é meu e de mais ninguém;
Pois nem sei o que está a acontecer comigo,
Para poder estar a falar estas coisas todas;
Penso que estou a ficar um pouco maluco,
Já dizia um antigo: "de médico e de louco,
Todos nós temos um pouco;"
Então não estou a mentir, estou a sentir são as dores de velho,
O começo da ruína, o começo do fim,
Ai de mim, a chegar à senilidade,
À demência e à decrepitude;
Ai de mim, que agora também virei bruxo,
Estou a fundar uma nova escolástica de bruxaria em
Homenagem ao bruxo maior, o Bruxo do Cosme Velho,
O nosso maior e idolatrado mestre da literatura Machado de Assis;
Melhor: Joaquim Maria Machado de Assis,
É pouco, ou querem mais? e ele sabia fazer magias,
Não perguntou a ninguém como era que fazia
E nem pediu que o ensinassem;
Simplesmente fazia e acontecia e deixava acontecer
E não faltava para ele feitiçaria literária;
E não faltava e quando faltava, pulava daqui e pulava dali
E nos presenteava com uma obra-prima;
É o mesmo que estou a querer fazer,
Mas quem sou eu? pobre de mim,
Letra pequena e palavras vãs e frases vazias;
Sentenças desprovidas de veredicto e
Períodos estéreis e orações pagãs e profanas;
Parágrafos sem cios, efêmeros e a misturar tudo,
Dá no que der e no que deu: em nada;
Nadinha, mesmo; para que pressa?
A imperfeição está aí, a fé é inatingível
E não a tenho; e quero ver quem tem na hora agá,
Quero ver no pega para capar;
O que é que a fé pode fazer na tragédia,
No naufrágio e na desgraça;
Quero ver o que a fé pode fazer na hora terminal,
A fé já foi colocada onde está,
Justamente para que não fosse atingida por ninguém;
Desconfio de todos aqueles que dizem que têm fé
E não tenho nem em mim mesmo;
Na minha parca etimologia, a fé é tão pequena,
Quase inexistente e impossível de ser alcançada;
Se algum dia tiver este dom,
Se algum dia chegar perto da fé
E a fé chegar perto de mim,
Talvez possamos andar de mãos dadas;
Por enquanto não, nem sei por aonde anda a fé,
Comigo é que não é; pois a fé é igual a verdade,
Ninguém a conhece; e quem diz que a tem e a conhece,
Está a mentir; não será livre e nem estará liberto,
Fé e ilusão e verdade e utopias andam juntas
No mesmo caminho e totalmente inverso ao
Caminho dos homens; o homem vai pela esquerda,
Elas vão pela direita; o homem é cara,
Elas são coroa; o homem desce,
Elas sobem; e não se encontrarão nunca,
Podemos até tentar; e fazer uma aproximação,
Chegar mais ou menos perto,
Mas elas sempre estarão anos-luz diante de nós;
Elas e todas as outras virtudes que almejamos ter, quando
Almejamos, pois tem gente que vive toda uma vida sem almejar nada;
Não deseja e não ambiciona,
A não ser as coisas fáceis e fúteis e inúteis da vida;
Continuarei a almejar o impossível:
Um dia a fé, mesmo que pouca.

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