segunda-feira, 2 de junho de 2014

Quem passa doze horas desacompanhado num local; BH, 02001002012; Publicado: BH, 020602014.

Quem passa doze horas desacompanhado num local
Sem rádio sem televisão sem um alguém para conversar
Só lhe resta passar ao papel
Todo pensamento que lhe vem à cabeça
Os pensamentos que prestam os imprestáveis
Ao pobre infeliz
De tanto pensar sozinho
Escrever solitariamente
Chega a pensar que é escritor
Que é pensador
Coitado
Dá até pena dele
Não sabe nem pode cantar tocar
Não tem o domínio dum instrumento
Não tem um computador à disposição
Para passar o tempo recorre à escrita
Começa como um escrivão
A lavrar escrituras sem terrenos sem imóveis
Sem registros em cartórios de ofícios ou de notas
O notário mais escreve como um otário
Qualificou-se para a vida? não
Profissionalizou-se para o trabalho? não
Escreve amadoristicamente
Por não ter outro tipo de passatempo
Até sente algum tipo de satisfação ao ler
Ao reler o que escreveu
Não poda nada
Não seca
Não apara
Não corta
Não drena
Deixa tudo como se tudo fosse na idade das pedras
Pedras sempre estão nos caminhos deste lavrador
Muitas pedras
O próprio parece uma pedreira de estupidez de ignorância
Haja dinamite para acabar com tantas barreiras assim tão intransponíveis
Haja exorcismo para desaninhar tantos pensamentos energúmenos deste mentecapto
São nestas horas de extrema solidão
Que o falso escritor chega à conclusão
Que nem se agisse como um Fausto
Poria fim à angústia do coração
O consolo é o papel a pena
As letras que pingam
As palavras que inundam tantos mares oceanos
Onde afoga-se por não saber nadar
O peixe que teve as barbatanas retiradas pelo destino

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