terça-feira, 24 de março de 2020

"Linhas Internas", RJ/SD, Tragédia; Publicado: BH, 0240302020.

Olho vagamente para a minha vida
E vejo que não tenho amor
E fico a refletir ao pensar
Como é que vou fazer
E procuro febrilmente por algo
Que nunca consegui encontrar
E nem nunca encontro
E fico triste toda hora
E às vezes penso
Que já nem sei chorar
E coisa fácil é chorar
Mas perece que não tenho lágrimas
E todo mundo tem alguma coisa
E sinto que não tenho nada
E então olho para o sol
E sinto a sua luz
E sinto o seu calor
A me queimar a pele
Mas não tenho o sol
E desejava ter o sol
Bem dentro de mim
E olho para as flores
E olho para os pássaros
E tudo é belo
E o belo sempre é o bom
E ansiava ter a beleza da flor
E a beleza dos pássaros
Mas tudo para mim
Torna-se mais impossível
Se o sol me desse a sua luz
Igual dá para a lua
Talvez eu teria um pouco mais de calor
Um calor feito de amor e beleza
Mas o sol é soberbo e orgulhoso
Sua luz só a dá para a lua
Então olho tristemente para mim
Olho bem profundamente
E vejo que não sou lua
Nunca terei a luz do sol
E torno a ficar mais triste
E continuo a procurar
E procuro o amor
E procuro a paz
E procuro fazer o bem
A harmonia e a irmandade
Mas sozinho sinto-me tão frágil
E todo mortal deve ser frágil
Por mais forte que aparenta ser
Todo mortal será sempre um mortal
E ao viver a pensar e a pensar
Sinto-me cada vez mais fraco
Pois quem não tem amor
E quem não tem paz
Nunca poderá ser forte
E de repente grito
E dou um grito infinito
Um grito tão alto
Que ninguém consegue ouvir
E mesmo se alguém ouvisse
Nunca poderia me ajudar
Porque o meu mal é grave
A minha falta de amor me afeta
E é aflição que atinge também outras pessoas
E se atingisse só a mim
Talvez não importasse tanto
E continuo a olhar
Para tudo que consigo ver
E chego à conclusão
Que sou um cego
E não sei olhar
E nem sei ver nada
E só sei pensar em mim mesmo
E penso tão ruim ser assim
Não ter uma pessoa para a gente pensar
E quero pensar que é bom ter alguém
Mas ter um alguém hoje em dia
Onde ninguém quer ter ninguém
Ninguém quer amar ninguém
Mas não sou ninguém
Sou amor e preciso de amor
Sou alguém que por maior que seja
O amor para mim
Penso que é pouco pelo tamanho da vida
E sigo a andar e a olhar
E pelo mundo a fora vou
A tropeçar e a cair
E a levantar e a errar e a acertar
E um dia acerto e paro
E se parar antes de acertar
Não arrisco
Por isso que continuo
Quem não arrisca não petisca
E vou a sonhar acordado ou a dormir
E vou a correr e a ficar louco
E ao ficar normal
Às vezes penso que faço bem
Mas só faço mal
O mal é sempre mais fácil
Quero ver se morrer antes de acertar
E nunca encontrar o amor e a paz
Com quais tanto sonho e procuro
A bater a cabeça aqui
A bater a cabeça ali
E olho lucidamente para a minh'alma
Minh'alma parece uma fera
A querer sair da jaula
Bem que poderia deixar
Minh'alma a vagar por aí
Mantenho-a prisioneira
E falo para ficar quieta
Para ficar sossegada e calada
Que não adianta chorar
Nem gritar e blasfemar
E um dia chega e a gente para
Ou morre de uma vez
E fico com medo de morrer
E deixar minh'alma
A fazer besteiras por aqui
Por isso quero morrer com amor
Assim ela fica sossegada
E fica tranquila
E olho para os meus olhos
Que procuram cegamente
Ver amor em tudo que se move
E em tudo que não se move
Mas o amor é opaco
A luz não o atravessa
E por isso não posso ver
O amor além das coisas
E vêm todas as coisas
Que a gente perde e ganha
E vem tudo que tem
Que se passar
Na vida da gente
Só não vem o amor
Só não vem a paz
Então olho para o mundo
E sinto pena do mundo
Olho para os homens
E sinto enjoo e nojo
Com a constante falta de amor
E com o ódio e a falta de irmandade
E fico a pensar
Até a cabeça doer
E pensar é a única coisa que posso fazer
E fico a sonhar
Como seria tudo
Se os problemas todos fossem resolvidos
E fico a sonhar
Como seria se não existisse
Nem mais fome
E nem mais pobreza
Então olho para Deus
E olho para os homens
Como estão longe de Deus
Como estão longe do amor
Não sabem que falta faz
Deus na vida dos homens
Não sabem que falta faz o amor
E penso em desistir de tudo
Mas logo paro e vejo que vivo
E ao viver não posso desistir
Tenho que continuar a minha luta
Estou cansado de ser derrotado
Agora só quero ter vitórias
Por isso procuro não reclamar
Nem sei porque não reclamo
Quem reclama nunca tem razão
E se não tenho razão
É porque não tenho amor.

Um comentário:

  1. Nossa, esse eu achei difícil. Triste e profundo. Já defendi muitas vezes que o amor é racional. Ele não se preocupa em ter razão, pois já o tem.

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