Literatura e política. COLABORE, PIX: (31)988624141
terça-feira, 12 de novembro de 2013
Alícia Duarte Penna, Poemas.
UM QUARTO DE SÉCULO
Sofrer é pouco.
Ser feliz é pouco.
Quero o destino de volta!
O tremendo destino que tinha aos quinze anos,
o imperativo dedo de Deus apontando o absoluto:
sim é Sim, não é Não.
ENCOMENDA
…E se vier aqui,
por essas paragens,
que traga ele
duas daquelas irmãs,
para que eu possa pesá-las, medi-las e auscultá-las,
de modo a verificar, com ciência,
qual será então adequada
ao meu intento de desposar moça de quarenta e cinco quilos,
um metro e sessenta,
e diástole perfeita.
Assino: Antônio.
PEDIDO
Dona Rosina, me dê uma noite do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê uma manhã do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê uma tarde do seu fi lho em casamento.
SÚPLICA
Dona Rosina, me dê os pés do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê os lóbulos da orelha do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê o dorso do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê os dedos das mãos do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê a pinta no pulso do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê os sapatos e a bolsa cheia de papéis do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê a camisa para dentro da calça do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê o paletó marrom do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê os cabelos pretos do seu fi lho em casamento.
Dona Rosina, me dê a boca do seu fi lho em casamento.
E mais, e mais, a língua, o suor, o gozo do fi lho de Dona Rosina, em casamento.
AOS HOMENS DE PÉS BRANCOS
I
Há (talvez) uma escola daqueles homens
que sempre avisto na rua,
os pés firmes nas sandálias havaianas
que os dedos tesos transformam em botas
de passos urgentíssimos e retos,
cobertos por um pó-branco:
prumo-linha-esquadro-nível,
dias-meses-anos,
irredutíveis.
II
Serão necessários:
a data de nascimento,
o número da carteira de identidade,
o número de projéteis cravados na carne,
a hora da morte,
os exatos finitos,
para que:
o médico legista conclua a autópsia,
o juiz autorize o sepultamento,
o cartório libere o atestado de óbito,
a prefeitura conceda o serviço funerário gratuito,
para que uma mulher,
que espera,
uma filha,
que espera,
possam se despedir
daquele homem
há dias atingido quantas, quantas vezes,
na porta da casa que era a sua,
na rua onde é difícil chegar água, luz
e o carro de horrível nome rabecão.
E, enquanto esperam,
ninguém as ouve contar outra história
(a do homem que ensinaria a outros homens
as noções de prumo, alinhamento, esquadro e nível),
nem supõe a fome que sentem,
ali, e sozinhas.
POBRES MOÇAS
Por que se olham – chispas –
como estranhas as moças?
Curiosidade não têm uma pela outra?
Sendo moças, que pouco viram,
por que se desviam, contrariadas,
daquela que é outra, mas si?
Acaso desejariam pertencer a humanidade alguma?
No temor da não-coisa,
o olhar anoitecido,
retêm suas sacolas junto ao peito:
as coisas às coisas salvarão.
Uma certa blusa, este cabelo, o ar
e a invencibilidade, apostam
(no encontro para o qual se preparam não se forma par:
vencedor e vencido saem separados ao final).
Desconhecem – desconhecerão sempre, sempre,
até velhas, até depois de velhas?-
os manuscritos, a revolução, a liberdade?
Em linha marcham:
dessemelhantes, desamorosas, ah, pobres moças.
Mas eis que uma se desvia, oh,
e amanhece!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário