sábado, 18 de maio de 2013

E quando abrir os caminhos nas sendas tortuosas; BH, 0210102000; Publicado: BH, 0180502013.

E quando abrir os caminhos nas sendas tortuosas,
Não estarei nem inseguro e nem desesperado,
Estarei esperançoso e como se fosse um sereno que cai,
Nos telhados das casas, ou nas relvas dos jardins, sem
Fazer barulho, sem ranger os dentes, sem arrastar de correntes;
E quando andar pelo vale da sombra e da morte,
Também não temerei mal algum e nem me acovardarei;
Serei igual a um leão em seu território,
Igual a um cavalo selvagem livre nas pradarias,
Ou uma águia à deriva no azul do infinito celestial;
Um peixe a nadar na tranquilidade da água,
Sem a ameaça duma rede, ou a armadilha 
Dum anzol com uma isca, ou a mancha negra do óleo fatal;
É sempre bom lembrar e martelar, que precisamos
Aprender a amar e a deixar que as coisas
Também amem e continuem  como se o mundo,
Fosse criado hoje de manhã e que ainda estamos
Deslumbrados, surpresos, com as nossas descobertas;
Com as novas descobertas e as novas vidas, almas e espíritos,
As novas oportunidades agarradas com unhas e dentes;
Se temos tão curtos o tempo e a vida, porque
Temos que ter a ansiedade extrema de destruir,
De acabar e exterminar, sem preocupar no amanhã?
Se ao deitarmos hoje, podemos acordar no além
E deixar no meio do caminho, todos os nossos princípios,
Iniciativas e ideias e por fim, o nosso próprio fim;
Conclamo que façamos poesias, façamos poema, prosas e
Conclamo que façamos odes estupendas e elegias fantásticas,
Eclipsais, seculares e eternais; já que seguimos
E nossos vestígios permanecem, no que temos que nos conformar;
Não adianta mania de grandeza, de rei, de imperador,
Nós somos menores do que os nossos próprios vestígios e marcas;
Não somos como os faraós do Egito antigo e suas pirâmides, que
Nem na megalomania faraônica eles conseguiram
Superar as próprias grandezas artificiais;
Pensavam que voltariam para desfrutar das obras,
Na imortalidade, na vida eterna e até agora não aconteceu;
Continuam do mesmo tamanho, não voltaram
E nem cresceram, a não ser nas próprias ilusões;
É por isso que quero vencer meus obstáculos
Nos caminhos que tenho a percorrer, pois as pedras
Continuam no mesmo meio do caminho e virarei pó;
Virarei poeira de estrada onde as parelhas do carro de boi
Cagarão em cima, as tropas de mulas e éguas também;
E os romeiros e os meninos passarão a pisar a poeira,
As mulheres passarão a cantar as rezas nos enterros e as
Lavadeiras irão às beiras dos rios para lavar as roupas;
Lá longe passa o trem de ferro a apitar na tarde,
A deixar o seu rastro de fumaça e brasas e a espantar
As garrichas e as rolinhas e os tizius dos cerrados
E das cercas onde os canários da terra ficam de longe,
Só a olhar a vida que não veremos mais; e
Se não aprendermos a buscá-la, não saberemos nunca
Vê-la e apreciá-la como se fossemos uns privilegiados,
Como se fossemos os únicos a passar uma boa parte
Do tempo a observar as manifestações da natureza;
No meu caso gostaria de aprender a colher e a guardar
Estas impressões como se fossem as minhas digitais;
Gostaria de aprender a lidar com a natureza para
Não sofrer e não fazê-la sofrer com a minha ignorância;
Não é por ser o mundo vasto que vamos pôr um fim e
Basta com a ideia de que temos em nome do
Progresso ferir a virgindade das matas e mudar
O rumo dos ventos e da ventania, a aumentar a agonia, a
Aumentar o rombo na defesa e na proteção;
E sei o que é pisar numa formiga,
Pisar numa grama e jogar uma garrafa plástica,
Dentro duma lagoa indefesa e sem proteção;
E sei o que é violentar e não poder reagir,
E é só o que sabemos fazer, é violentar e a única
Coisa que a natureza não faz, é reagir;
Tenho medo do dia em que a natureza resolver a
Reagir e cobrar tudo que já fizemos com ela:
Não ficará pedra sobre pedra para poder contar a história;
Não restará um único rochedo no lugar, um detalhe e será
Tarde demais para nos desculparmos, igual ao Papa
Quer fazer agora, ao se desculpar pelos erros da Igreja;
O Papa agora quer pedir desculpas por todos os males
Que a Igreja dele já causou ao mundo;
E se não tomarmos cuidados ficaremos igual ao Papa,
Com remorsos e arrependimentos e sairemos por aí,
A pedir desculpas à mãe natureza pelos crimes cometidos,
Pelas covardias sórdidas, selvagens e sem cabimentos;
E não podemos esquecer os nossos índios inocentes,
Irmãos e amigos sinceros e singelos ingênuos e amáveis;
Se eles fossem carniceiros e canibais, sanguinários,
Nunca teriam saídos de suas terras e jamais seriam
Dizimados e pulverizados da face da terra;
O defeito foi aceitar e acreditar na dominação,
O mal foi abrir a guarda e a mão, aceitar
Presentes e quinquilharias e bugigangas com que
Até hoje somos iludidos e enganados e forçados
A consumir mesmo sem condições de querer adquirir; e
São nos impostos e enfiados goela abaixo, sem um pudor,
Como se ainda fossemos nossos adoráveis antepassados,
Que perderam as mulheres, os filhos e as filhas, os velhos,
Os pajens, a tradição, a cultura e o quarup;
Acabou-se tudo para mim, perspectiva e esperança,
Não tenho mais confiança e nem segurança e
Só espero a morte o mais rápido possível;
Não vejo como sair desta lama que me atola,
Não vejo uma maneira de atingir a felicidade;
Acabou-se a fé para mim, perdi a luz e a paixão e
Não adianta em me iludir que vai melhorar,
Quando vejo milhares de irmãos em abandono
Total e maior do que o meu, solitários e só;
E ainda busco refúgio nas minhas letras,
Ainda busco refúgio nas frases e nos esconderijos
Da minha literatura bestial e insossa;
Mas como só eu desfruto dela, no meu egoísmo
E na vergonha de ninguém a entender;
Não faz mal ela ser do jeito que é,
Pois quero que ela morra do jeito que foi criada;
Quero que ela desapareça do jeito que apareceu,
Quero que ela dê o último suspiro da mesma
Maneira que deu o primeiro soluço, naturalmente;
E que vá para o além como quem respira e
Que depois dum sorriso singelo, parou, deixou de soluçar,
Não respirou mais e virou então um cadáver,
Um corpo inerte e sem vida, a espera do enterro.

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