segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Vinicius de Moraes, São Paulo, BH, 0250102011.

Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa - basta! - importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia.

Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frígida.

Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se espera

Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza.

Vinicius de Moraes, Cem por cento; BH, 0250102011.

Há muita gente que diz coisas belas
Mas essa gente que diz "vai por ela"
Eu que tabém fui por ela, sei disso
Eu é que amei, eu é que sei
Todo despeito que há nisso
Porque pra mim ela foi,
Cento por cento
Nunca deixou de me amar,
Um só momento
Pode falar quem quiser
Mas no meu fraco entender
Ninguém, ninguém foi tão mulher.

Vinicius de Moraes, Ilha do Governador;
Publicado: BH, 090402013.

Esse ruído dentro do mar invisível são barcos passando 
Esse ei-ou que ficou nos meus ouvidos são os pescadores esquecidos 
Eles vêm remando sob o peso de grandes mágoas 
Vêm de longe e murmurando desaparecem no escuro quieto. 
De onde chega essa voz que canta a juventude calma?
De onde sai esse som de piano antigo sonhando a "Berceuse"?
Por que vieram as grandes carroças entornando cal no barro molhado?
Os olhos de Susana eram doces mas Eli tinha seios bonitos
Eu sofria junto de Susana - ela era a contemplação das tardes longas
Eli era o beijo ardente sobre a areia úmida.
Eu me admirava horas e horas no espelho.
Um dia mandei: "Susana, esquece-me, não sou digno de ti - sempre teu…"
Depois, eu e Eli fomos andando… - ela tremia no meu braço
Eu tremia no braço dela, os seios dela tremiam
A noite tremia nos ei-ou dos pescadores…
Meus amigos se chamavam Mário e Quincas, eram humildes, não sabiam
Com eles aprendi a rachar lenha e ir buscar conchas sonoras no mar fundo
Comigo eles aprenderam a conquistar as jovens praianas tímidas e risonhas.
Eu mostrava meus sonetos aos meus amigos - eles mostravam os grandes olhos abertos
E gratos me traziam mangas maduras roubadas nos caminhos.
Um dia eu li Alexandre Dumas e esqueci os meus amigos.
Depois recebi um saco de mangas
Toda a afeição da ausência…
Como não lembrar essas noites cheias de mar batendo?
Como não lembrar Susana e Eli?
Como esquecer os amigos pobres?
Eles são essa memória que é sempre sofrimento
Vêm da noite inquieta que agora me cobre.
São o olhar de Clara e o beijo de Carmem
São os novos amigos, os que roubaram luz e me trouxeram.
Como esquecer isso que foi a primeira angústia
Se o murmúrio do mar está sempre nos meus ouvidos
Se o barco que eu não via é a vida passando
Se o ei-ou dos pescadores é o gemido de angústia de todas as noites?

Vinicius de Moraes, Soneto à lua;
Publicado: BH, 0100402013.


Por que tens, por que tens olhos escuros 
E mãos lânguidas, loucas e sem fim 
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim 
Impuro, como o bem que está nos puros?
Que paixão fez-te os lábios tão maduros 
Num rosto como o teu criança assim 
Quem te criou tão boa para o ruim 
E tão fatal para os meus versos duros?
Fugaz, com que direito tens-me presa 
A alma que por ti soluça nua 
E não és Tatiana e nem Teresa:
E és tampouco a mulher que anda na rua 
Vagabunda, patética, indefesa 
Ó minha branca e pequenina lua!

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