terça-feira, 10 de janeiro de 2023

pai com as folhas indecifráveis

pai comas folhas indecifráveis
relvas cheias de caracteres rupestres
e rabiscos de paredes de cavernas
e faias fossilizadas
e pegadas de ancestrais
e vestígios de antepassados
e resquícios de antecedentes
e esqueletos
e caveiras
e ossos envelhecidos
e encardidos pelos tempos idos
e pai a encher as folhagens de todos os tipos de ventos
e de ventanias
e de vendavais
e de temporais
e não para nunca mais
e fico cá do meu canto a observar o velho lá
curvado com as corcundas nas costas
e as corcovas no cangote
e a cacunda de cupin no cacaio
e tento tomar a pena do pai
e fala pera aí
e largo
e volto ao meu recanto entretido com um
velho celular que trava mais que as juntas
enferrujadas do velho quando entravam
mas é o único passatempo que encontro a
rever filmes
e desenhos
e seriados antigos como as coisas da idade da pedra
e da pré-história que o pai tenta legar
à pós-história nas ramagens amarelas que
encontra pelos recintos dos aposentos de
aposentado daqui do pequeno apartamento
que mais parece um barracão de favela onde
a gente espera a morte para zombar da cara dela
e navegar por mares nunca dantes
navegados numa velha caravelas
ou nave dos argonautas
ou nau catarineta mas não somos
marinheiros nem mestres de saveiros
e a água aqui é água de chuva de goteira do banheiro
e sempre ao deus dará que não temos dinheiro

BH, 070202022; Publicado: BH, 0100102023.

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