domingo, 17 de março de 2019

Chico Buarque, Meu guri; BH, 030102011.

Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome para lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando e ele a me levar
E na sua meninice, ele um dia me
Disse que chegava lá.
Olha aí, olha aí, olha aí, ai
O meu guri, olha aí, é o meu guri.
E ele chega
Chega suado e veloz, do batente
Traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço para enfiar
Me trouxe uma bolsa, já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí,
Olha aí, ai é o meu guri
E ele chega no morro com carregamento,
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador,
Rezo até ele chegar lá no alto
Essa onda de assalto tá um horror
Eu o consolo, ele me consola
Boto ele no colo, pra ele me minar
Derepente acordo, olho pro lado,
E o danado já foi trabalhar
Olha aí, olha aí, o meu guri
E ele chega estampado, manchete,
Retrato com venda nos olhos,
Legenda e as iniciais
Eu não entendo toda essa gente,
Seu moço, fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo, de papo pro ar
Desde o começo eu não disse,
Seu moço?
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí, é o meu guri.
                        
                                 xxx

Quem se acostuma a fugir dos problemas vai ter que fugir de si mesmo
a vida inteira...

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