quarta-feira, 27 de abril de 2011

Antônio Nobre, Poentes de França ; BH, 0260402011.

 - Ó Sol! ó Sol! ó Sol! poente de vinho velho!
Enche o meu copo de S. Graal (deu-me a balada...)
Ó Sol da Normandia! Ocidente vermelho,
Tal o circo andaluz depois de uma toirada!

 - Vós sois estrangeiros, vós sois estrangeiros,
Ó poentes de França! não vos amo, não!

 - Ó Sol, cautela! já a noite se avizinha,
O Padre-Oceano vai, em breve, comungar:
Ó hóstia vesperal de vermelha farinha,
Que o bom Moleiro mói, no seu moinho do Ar!

Ó Sol, às Trindades, atrás dos pinheiros,
A hora em que passam branquinhos moleiros,
Levando farinha pra cozer o pão!

Ó fôrca do Sol-pôr! Ó Inferno de Dante!
Açougue d'astros! ó sabat de feiticeiras!
Ó Sol ensanguentado! ó cabeça falante,
Que o funãmbulo Poente anda a mostrar nas feiras...

 - Que paz pelo Mundo, nessa hora ditosa!
Ó poentes de França! não vos amo, não!

 - Arco-da-Velha, a rir risos de sete côres!
Ó Lua na ascensão! Ó Sol! ó Sol! ó Sol!
Cabeça de Iscariote, entre águias e condores!
Ó cabeça de Cristo, impressa no lençol!

Que paz pelo Mundo nessa hora saudosa
Quando fecha a lojinha da Sra. Rosa,
Quando vem das sachas o Sr. João...

 - Ó Sol! ó Sol! Titã dêste bloco da Terra!
Ó Sol em sangue que ainda pula e arde e cintila!
Ó bala de canhão, tu vens dalguma guerra:
Varaste os corações dum exército em fila!

 - Ó hora em que as águas rebentam das minas...
Ó poentes de França! não vos amo, não!

 - Ó poente verde-mar! ó pôr-do-Sol de azeite!
Ó longes de trovoada! ó Céu dos ventos suis!
Vaca do Ar, a mugir crepúsculos de leite
E roxos e cardeais e amarelos e azuis!

 - Ó hora em que passam môças e meninas
Que, em tardes de Maio, vão às Ursulinas,
Com rosas nos seios e um livro na mão!

 - Ó Sol! ó Sol! Trágico, aflito, doido, venho
À tua saúde erguer a minha taça ardente!
Meus grandes olhos são dois bêbados, e tenho
Delirium-tremens já, Sir Falstaff do Poente!

 - Eu amo os poentes, mas sem agonias,
Ó poentes de França! não vos amo, não!

 - Adeus, ó Sol! chegou a Noite na fragata,
À tua porta os Marinheiros vão bater:
Lá vejo os astros por seus cálices de prata,
Na Taverna do Ocaso, a beber, a beber.

Ó céus tísicos, cuspindo em bacias!
Ó céus como escarros, às Ave-Marias!
Ó poentes de França! não vos amo, não!

                                                               (Paris, 1891.)

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