quinta-feira, 6 de junho de 2013

Da areia fina e sem consistência; BH, 0130102000; Publicado: BH, 060602013.

Da areia fina e sem consistência,
Que não serve nem para formar dunas,
Desertos, praias, leitos de rios e ampulhetas;
Da areia imprestável e movediça, onde
Quanto tento me firmar, mais sou
Devastado e desfeito pela tempestade,
Causada pela descarga de todos os doentes,
Que trazem o câncer no corpo e no sangue;
E depositam sobre mim as esperanças,
De curas e de salvações e recuperações;
Quero administrar o pavilhão de cancerosos,
Ser por onde flui o néctar que leva a eles
Um alento e um alívio, por não sentirem;
Pois sou a morfina e o sentimento deles,
Chamo para mim todos os tumores;
Sou o que tenho que morrer no lugar deles
E espero me sentir bem assim ao morrer,
Por uma causa que não seja a minha;
Não quero é morrer por mim,
Não suportaria morrer por futilidade;
Morrer inútil na inutilidade e ineficiência,
Morrer caído na decadência e na demência,
Com toda a influência do mal a se apoderar,
Das raízes e das estruturas do meu coração;
Da imprudência do meu ser na minha
Falta de educação, indelicadeza e aflição;
E compreensão, lucidez de espírito e razão,
Tino de administração, de comportamento,
Moderação e aperfeiçoamento da vida comum;
Falta-me a mais simples condição de homem,
De ser humano na semelhança de primata;
Falta-me o mais simples que move tudo
E a máquina do universo nos trilhos,
Lubrificada e regularizada para a jornada,
Através das trevas e da escuridão abissais;
Que abocanham o fraco e o lançam aos rochedos,
Feito palha à crista das ondas d'águas do mar;
Não me venhas me explicitar e explicar,
Venhas me confundir e me enganar,
Venhas me dissecar e quebrar a minha rigidez
Cadavérica e orgânica, sem tentar catalogar,
Os órgãos encontrados em mim; e que talvez
Sirvam para algum estudo de anatomia;
Ou para uso em alguns desses cultos onde
São usados corpos e órgãos de crianças assassinadas;
Doeis meus órgãos para essas seitas macabras,
Não quero mais que eles roubem dos cemitérios,
Os vestígios de seres humanos que servem de
Oferendas nos sacrifícios de seus altares malditos;
Não é justo seres inocentes serem abatidos,
Terem os órgãos arrancados e depois queimados,
Em ofertas aos donos das trevas e da escuridão;
Toda pessoa que for passar por esse sacrifício,
Eu quero ir no lugar dela, pois só eu mereço,
E sei suportar a tortura da inquisição;
Só eu sei e sirvo para morrer de verdade,
Na fornalha da fogueira do abismo eterno;
Não tenhais, mesmo, piedade de mim, não,
Não quero conhecer a misericórdia, só a miséria,
Não quero conhecer a graça, só a desgraça;
Que caia sobre mim pois, é só eu que mereço,
Meus filhos e minha mulher não merecem,
As crianças não merecem e nem meus pais,
Meus irmãos e parentes também não merecem;
Só eu só que mereço e quero que tudo
Caia sobre os meus ombros e minha vida,
Sobre minha alma e meu espírito;
Quero que tudo caia sobre minha cabeça,
Pensamento e mente e memória e lembrança;
Salveis todas as crianças do afogamento,
Do sofrimento e da tortura e da violência;
Do pau de arara e do choque elétrico,
Do arrancamento de unhas e beliscões com alicates;
Deixais isso para mim e sou eu que sou o dono,
Eu que sei o que faço e o que devo fazer,
E o que é para ser feito comigo;
Sou um herege perseguido pela inquisição,
O energúmeno de onde Jesus Cristo expulsou
Os demônios e a manada de porcos,
Para onde Jesus Cristo os mandou; e sou
O precipício onde a vara se lançou,
O espinho da coroa que furou Nosso Senhor,
O cravo espetado nas mãos e nos pés e
Sou a cruz onde Ele foi pregado;
O vinagre que os soldados deram-no para beber,
O suor que gotejou no olhar d'Ele, a arder,
E a impedir de ver e os empecilhos da calvário;
É por isso que angario sobre mim,
A órbita de todos os astros e estrelas do céu,
De todos os satélites e planetas e asteroides;
Que passem todos sobre mim eternamente,
Que convirjam todos com as suas gravidades,
A lançar-me nas profundezas do buraco negro.(2)

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