domingo, 21 de outubro de 2012

Llewellyn Medina, A última sessão do Estação Paissandu, O GLOBO, 24.08.08; BH, 02101002012.

Meninos, estive lá, em priscas eras
Eram aquelas em que sentávamos no chão
(Não havia suficientes poltronas)
E tome Godard
E tome Truffaut
E tome Buñuel...
(Havia uma cena em que o rebanho de carneiro
Atravessava a praça vazia...)
Meu Deus!
O que pode fazer um rebanho de carneiros
Ao atravessar uma praça vazia?

Conversas sem fim
Sem pé nem cabeça
(Ah! esse delírio intelectual-carioca!)
Como é possível tantos sábios e filósofos
Em tão exíguo espaço?

E não se esqueça dos poetas
Todos (ou quase) eram poetas
"Faz escuro mas eu canto
Porque outra manhã vai nascer".

Cada um tinha seu Neruda
Seu Garcia Lorca
Mas quem reinava soberano era Drummond.
"Estou atrasadíssimo nos gregos
Não conheço os anais de Assurbanipal..."

Sim
Era o cinema Paissandu
Que a cada dia
Inaugurava uma noite imemorial
Pois - meus amigo - "believe or not" -
Ali pertinho tinha o Lamas
O chope do Lamas
O filé do Lamas
(A entrada parecia disfarçada por bancada de frutas...)
Dá pra entender?
Você vai ao Lamas
Mas parece que entra na Cobal!

E lá dentro a sessão Paissandu continua
Quantas utopias foram construídas?
Quantas batalhas ganhas?
Quantos sonhos quixotescamente sonhados?
(Como é propício aos jovens...)

Ah! tinha o Otto Maria Capeaux
Tinha o Correio da Manhã
Tinha o JB
E a ditadura rosnava em volta...

Mas quem a temia, exceto todos?
Quem seria capaz de derrotar
Aquele exército de brancaleones?

Um dia passou "Belle de Jour"...
Por que a natureza inventou Catherine Deneuve?
Por que Morais Moreira foi descobrir a "Belle de Jour"
Na praia de Boa Viagem?
A primazia era do Paissandu
Pois foi no Paissandu a descoberta

Dali é que "Belle de Jour" ganhou o mundo
Por isso consinto em que Morais Moreira
Tenha visto passear por aquelas distantes praias
(Todas as praias longe de Ipanema são distantes)
Aquela deidade que o Paissandu nos revelou
(Naquele dia houve porres homéricos no Lamas).

Hoje
Leio o aviso fúnebre:
O Paissandu morreu.
Quiseram celebrar missa de sétimo dia
A um real por cabeça
Mas equivocam-se aqueles que querem se despedir
Os sonhos não morrem
São eles que guardam o elixir da juventude
São eles que me fazem evocar nesta crônica
A última sessão de cinema
Do Cinema Paissandu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário