quarta-feira, 1 de julho de 2020

Hoje vi uma ferida crônica; Publicado: BH, 01º0702020.

Hoje vi uma ferida crônica
Na perna dum homem
Era uma ferida viva
Cheia de moscas
E de bichos e de germes
E o homem gritava
E urrava de dor
E a ferida faminta
A devorar a perna do homem
Hoje vi uma ferida aberta
Na perna dum homem
Uma ferida cruel em carne viva
Que mais parecia carne morta
Cheia de pus e mau cheiro
E se espalhava por toda região
E um sangue coagulado de cor horrível
Dava ainda alimento 
Ao banquete de mosquitos
E às moscas sedentas
Que faziam festas
A tão macabro achado
Hoje vi uma ferida grotesca
Na perna dum homem
Olhei para os seus olhos
E não vi olhos
E não vi olhar
Vi duas bolas de fogo
Que não sei o que eram
E o homem já não tinha mais voz
Só aquela ferida louca
Que o devorava devagar
E o homem rolava na calçada
No meio de cuspes e catarros e
Já havia urinado nas calças
E nem podia se levantar
Babava igual cão raivoso
Em estado de hidrofobia
Mas era a ferida que o enlouquecia
E ninguém passava por perto
E ninguém olhava o homem
E todo mundo era cego
E todo mundo era surdo
E se passava alguém por perto
Logo tapava o nariz e a boca
Para não vomitar
Hoje vi uma ferida bizarra
Na perna dum homem
E não sei o que foi feito
Do homem da ferida na perna
Mas aquela ferida mórbida
Está em meu coração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário