sexta-feira, 6 de maio de 2011

Casimiro de Abreu, Amor e Medo; BH, 060502011.

Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
" - Meu Deus, que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor é chama,
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor, eu - medo!...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me entumece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.

E' que esse vento que na várzea - ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia,
Diz: - que seria da plantazinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho,
E a pobre nunca reviver pudera,
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se eu te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas!...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinado a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do seio,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: - que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
 - Tu te queimaras, a pisar descalça,
 - Criança louca, - sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos paúes da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
 - Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - que é da minha c'roa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês; traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela - eu moço; tens amor, eu - medo!...

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