quarta-feira, 18 de maio de 2011

Antônio Nobre, Adeus!; BH, 0180502011.

           Por uma tempestade na costa de Inglaterra.

Adeus! Eu parto, mas volto, breve,
À tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol fará!

Adeus! Na ausência meses são anos,
Dias são meses, que aí são ais;
Ah tu tens sonhos, eu tenho enganos,
Eu sou sàzinho, tu tens teus Pais.

Adeus! Nas velas o Vento toca
"Aves" e "Paters" de imensa dor.
Enquanto rezas, fia na roca
Enquanto rezas, fia na roca
O linho branco do nosso amor.

Adeus! Paquête, que vais fugido
Com um Poeta lá dentro a orar!
Ai que destino tão parecido,
Andar aos ventos, ó Mar! ó Mar!

Adeus! Mar, quero que me respondas,
Águas tão altas! dizei, dizei:
Quais mais salgadas? as vossas ondas
Quais mais salgadas? as vossas ondas
Ou as que eu choro, que eu chorarei?

Adeus! (Que é isto? treme o Paquête!)
Fiel me seja teu Coração;
Não que eu fechei-o num aloquete
E a chave é de oiro, trago-a na mão!

Adeus! O Vento soluça e geme,
O Mar é negro, mas "lá" é azul...
Francês tão moço, que vais ao leme,
Francês tão moço, que vais ao leme,
Ah se pudesse voltar ao Sul!

Adeus! (Pilôto, que nuvens essas
Façamos juntos o "plo sinal!")
Menina e Moça, nunca me esqueças,
Que eu tenho os olhos em Portugal!

Adeus! Um brigue de pano rôto
Vêde que passa, faz-nos sinais:
Tenha piedade, Sr. Pilôto,
Tenha piedade, Sr. Pilôto,
Seja pelas almas dos nossos Pais...

Adeus! "St. Jacques", vai depressinha...
Meu Anjo, a esta hora, tu que farás?
O Mar faz medo (Salve, Rainha...)
E tu, meu Anjo, tão longe estás!

Adeus! Tão longe, tão longe a terra!
Longe de tudo, longe de ti!
A trinta milhas, fica a Inglaterra,
A trinta milhas, fica a Inglaterra,
A uma (ou menos) a Morte, ali.

Adeus! Na hora de me deixares,
Já pressentias o meu porvir:
"Meu Deus!" disseste, mostrando os ares...
Mas era urgente partir! partir!

Adeus! Já faltam os mantimentos,
Falta-nos água, falta-nos luz!
Morrer, à Lua, sem sacramentos,
Morrer, à Lua, sem sacramentos,
Morrer tão novo, Jesus! Jesus!

Adeus! E os dias nascem e morrem,
Tanta água e falta para beber!
E já puseram (rumores correm)
Sola de molho para comer.

Adeus! - Bons Dias, meu Comandante,
A nossa sorte... morrer, talvez...
E o rude velho segue pra diante:
E o rude velho segue pra diante:
 - Morrer, meu Amo, só uma vez!

Adeus! - Gajeiro! boa criança!
Que vais em cima do masteréu,
Vê lá se avistas terras de França...
 - Ah nada avisto, só água e céu!

Adeus! Ó Lua, Lua dos Meses,
Lua dos Mares, ora por nós!
Ó Mar antigo dos Portuguêses,
Ó Mar antigo dos Portuguêses,
Ó Mar antigo dos meus Avós!

Adeus! Ai triste de quem embarca
Sem ver a sorte que o espera ao fim!
Façamos vela prá Dinamarca,
Que Hamlet espera no Cais por mim.

Adeus! À Vida sinto-me preso,
(Morrer não custa) pelas paixões...
Vamos ao fundo, meu Anjo, ao peso
Vamos ao fundo, meu Anjo, ao peso
Das minhas trinta desilusões!

Adeus! Que estranha Visão é aquela
Que vem andando por sobre o mar?
Todos exclamam de mãos para ela:
"Nossa Senhora! que vens a andar!"

Adeus! A Virgem com um afago,
Pôs manso o Oceano, que assim o quis:
O Mar agora parece um lago,
O Mar agora parece um lago...
O rio Lima do meu País!

Adeus! Menina, que estás rezando,
Desceu a Virgem e já te ouviu:
Agora quero ver-te cantando,
A Santa Virgem já me acudiu.

Adeus! Os Ventos são meigas brisas
E brilha a Lua como um farol!
Ponde nas vergas vossas camisas,
Ponde nas vergas vossas camisas,
Ó Marinheiros, que a Lua é o Sol!

Adeus! "St. Jacques" lá entra a barra,
Nossa Senhora vai indo a pé:
Com seu cabelo fez uma amarra,
Lá vai puxando, que boa ela é!

Adeus! Eu parto, mas volto, breve,
À tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
Leva-me o Outono (não tarda a neve)
No meu regresso, que sol fará!

                                                        (Paris, 1893.)

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