Se eu tivesse, meu Deus, santos amores,
Eu m'erguera cantando essa paixão,
E atirava p'ra longe - sem saudade -
Este véu que me cobre a mocidade
De tanta escuridão!
Eu que sou como o cardo do rochedo
Quase morto dos ventos ao rigor,
Encontrara de novo a minha vida,
O sol da primavera e a luz perdida,
Nos braços desse amor!
Minha fronte, que pende sofredora,
Acharia, meus Deus, inspirações,
E o fogo, que queimou Gilbert e Dante,
Correria mais para a mais constante
Na lira das canções!
No mundo tão gentil dos devaneios
Minh'alma mais feliz saudara a luz,
E apagara, Senhor, num beijo puro
A imensa dor da perda do futuro
Que a morte me conduz.
Por ela eu deixaria a voz das turbas
E esta ânsia infeliz de glória vã;
Na vida que nos corre tão sombria
Eu seria, meu Deus, seu doce guia,
E ela - minhe irmã!
Eu velara, Senhor, pelos seus dias,
Como a mãe vela o filho que dormiu:
Se um dia ela soltasse um só gemido,
Eu iria saber porque ferido
Seu seio assim buliu!
Como à sombra das árvores da pátria
Se embala a doce filha dos tupís,
A sombra da ventura e da esperança
Embalara, meu Deus, essa criança
Nos cantos juvenis!
Como o nauta olha o céu da primavera
Eu, sentado a seus pés, ébrio de amor,
Espreitara tremendo no seu rosto
A sombra fugitiva dum desgosto,
A nuvem duma dor!
Eu lhe iria mostrar nos imos d'alma
Outro mundo, outro céu, outros verguéis;
Nossa vida seria um doce afago,
Nós - dois cisnes vogando em manso lago,
- Amor - nossos batéis!
Se eu tivesse, meu Deus, santos amores,
Eu deixara este mor da glória vã;
Nesse mundo de luz, doce e risonho,
A pudibunda virgem do meu sonho
Seria minha alma!
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