À mesa de trabalho
Papéis cinzas copos
Restos de jornais
Livros velhos como sou
À mesa de trabalho finjo existir
Daqui pela janela
Vejo lá fora o mundo que existe de verdade
As folhagens das árvores
As gramas aonde os calangos passeiam
As pedras o asfalto da rua
A praça tomada pelo lixo
Os carros que passam insolentes
Já me adentro à noite
Sem me mover da mesa
Ou me mexer na cadeira
Qualquer movimento faz-me parecer vivo
Não gosto de parecer que estou vivo
Os elementos que me formam estão inertes
Na natureza a água não molha
O fogo não queima o ar não salva
A terra não produz
Trabalho como numa obrigação
Numa nova forma de vida
Trabalho num novo pensamento
Mesmo ao saber que não há
Nada de novo debaixo dos céus
O chão que piso
É chão pisado
Por milhares de velhos pés
Que também queriam amassar um barro novo
Para uma nova criatura
Pisar castos cachos de uvas nobres
Para o bom vinho
Um dia tornarei a embebedar-me
Com esse bom vinho
Como faziam os deuses em seus banquetes
Ora direis já passaste da idade
De encharcar-te de vinho
Direi ora deixeis-me à mesa de trabalho
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