Não me faleis
Estou de mal com todo mundo
Com o universo inteiro
Não me olheis
Nem me deis ouvidos
Agora sou surdo
Cego
Mudo
Não sou mais
Deixei de ser
Deixei de alma
Deixei de espírito
Doente
Nem ente tenho
Nem sou
Nem entidade
Personalidade
Caráter
Não me deis de comer
Não me deis de beber
Não me deis de amar
Não me deis de viver
Agora só quero uma coisa
Morrer
Quero ser contundente
Quebrar ossos
Esmagar crânios ao calcanhar
Quero ser pervertido
Corruptor
Também corrompido
Corrompido
Não façais orações para mim
Não rezeis
Nem peçais aos santos em preces
Que me abençoem
Não mereço água benta
Terço
Rosário
Ave-Maria
Padre-nosso
Não olheis nos meus olhos
Além de não enxergar os outros olhos
Detesto que me olheis nos olhos
Se tiverdes uma poesia
Ponhais ao pé do pedestal
Onde estiver relhado
Se tiverdes um poema
Por mais profano que seja
Mesmo sujo de sangue de escravos
De índios ou doutros mártires
Exponhais nos postes das ruas
Nos coretos das praças públicas
Nos paralelepípedos das ruas calçadas
Nas lápides das sepulturas
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