Cansaço
O NÁUFRAGO nadou por longas horas...
Na praia dorme frio num desmaio.
A força após a luta abandonou-o,
Do sol queimou-lhe a face ardente raio.
Pois eu sou como o nauta... Após a luta
Meu amor dorme lânguido no peito.
Cansado... talvez morto, dorme e dorme
Da indiferença no gelado leito.
Sobre as asas velozes a andorinha
Maneira se lançou nos puros ares...
Veio após o tufão... lutou debalde,
Mas em breve boiou por sobre os mares.
Eu sou como a andorinha... Ergui meu vôo
Sobre as asas gentis da fantasia.
A descrença nublou-me o céu da vida...
E a crença estrebuchou numa agonia.
Como as flores de estufa que emurchecem
Lembrando o céu azul do seu país,
Minha alma vai morrendo, suspirando
Por seus perdidos sonhos tão gentis.
E que durma ... E que durma ... ó virgem santa,
Que criou sempre pura a fantasia,
Só a ti é que eu quero que te sentes
Ao meu lado na última agonia.
Na praia dorme frio num desmaio.
A força após a luta abandonou-o,
Do sol queimou-lhe a face ardente raio.
Pois eu sou como o nauta... Após a luta
Meu amor dorme lânguido no peito.
Cansado... talvez morto, dorme e dorme
Da indiferença no gelado leito.
Sobre as asas velozes a andorinha
Maneira se lançou nos puros ares...
Veio após o tufão... lutou debalde,
Mas em breve boiou por sobre os mares.
Eu sou como a andorinha... Ergui meu vôo
Sobre as asas gentis da fantasia.
A descrença nublou-me o céu da vida...
E a crença estrebuchou numa agonia.
Como as flores de estufa que emurchecem
Lembrando o céu azul do seu país,
Minha alma vai morrendo, suspirando
Por seus perdidos sonhos tão gentis.
E que durma ... E que durma ... ó virgem santa,
Que criou sempre pura a fantasia,
Só a ti é que eu quero que te sentes
Ao meu lado na última agonia.
Castro Alves
O menino doente
O menino dorme.
O menino dorme.
Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
— "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
— "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."
Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
— "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . . "
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
— "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . . "
E o menino dorme.
Manuel Bandeira
Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade
A Educação pela Pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto
"Dois e Dois são Quatro"
Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena
Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena
- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.
Ferreira Gullar
Via Láctea
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Olavo Bilac
É preciso não esquecer nada
É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a ideia de recompensa e de glória.
a ideia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.
Cecília Meireles
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana
Bem no Fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
Paulo Leminski
Desilusão
Como a folha no vento pelo espaço
Eu sinto o coração aqui no peito,
De ilusão e de sonho já desfeito,
A bater e a pulsar com embaraço.
Eu sinto o coração aqui no peito,
De ilusão e de sonho já desfeito,
A bater e a pulsar com embaraço.
Se é de dia, vou indo passo a passo
Se é de noite, me estendo sobre o leito,
Para o mal incurável não há jeito,
É sem cura que eu vejo o meu fracasso.
Se é de noite, me estendo sobre o leito,
Para o mal incurável não há jeito,
É sem cura que eu vejo o meu fracasso.
Do parnaso não vejo o belo monte,
Minha estrela brilhante no horizonte
Me negou o seu raio de esperança,
Minha estrela brilhante no horizonte
Me negou o seu raio de esperança,
Tudo triste em meu ser se manifesta,
Nesta vida cansada só me resta
As saudades do tempo de criança.
Nesta vida cansada só me resta
As saudades do tempo de criança.
Patativa do Assaré
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