Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas por dentro de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do Sul impossível aguardam-me náufrago;
Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsa),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido
As minhas coortes por existir, esfaceladas em Deus.
Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar,
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos, todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligadas por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?
Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.
Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...
Outra vez te revejo,
Sombra que passa através de sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...
Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...
26/4/1926
Literatura e política. COLABORE, PIX: (31)988624141
quinta-feira, 31 de março de 2011
Luís Delfino, As Naus; BH, 0310302011.
Sôbre as asas pairando, as naus entram na lenta
Marcha das aves do mar, que chegam fatigadas,
E, enquanto aos pés, em flor, uma vaga rebenta,
Outras cantam solaus, rindo, em tôrno grupadas.
Parecem catedrais marmóreas, torreadas,
Fugindo a um velho mundo e fugindo à tormenta,
Que entre nichos de pedras e agulhas lanceoladas
Pulam pesadamente e mole corpulenta.
Dromedários do mar - intémino Saara -
Ó naus, vós afrontais os ciclones, o grito
Que vem do abismo e furacões, cara a cara!
Sois mais do que êsses troféus lendários de granito
No seu panejamento enorme de Carrara...
Vós, cuja base é o oceano e cúpula o infinito!...
Marcha das aves do mar, que chegam fatigadas,
E, enquanto aos pés, em flor, uma vaga rebenta,
Outras cantam solaus, rindo, em tôrno grupadas.
Parecem catedrais marmóreas, torreadas,
Fugindo a um velho mundo e fugindo à tormenta,
Que entre nichos de pedras e agulhas lanceoladas
Pulam pesadamente e mole corpulenta.
Dromedários do mar - intémino Saara -
Ó naus, vós afrontais os ciclones, o grito
Que vem do abismo e furacões, cara a cara!
Sois mais do que êsses troféus lendários de granito
No seu panejamento enorme de Carrara...
Vós, cuja base é o oceano e cúpula o infinito!...
Mário Quintana, Canção dos Romances Perdidos; BH, 0310302011.
Oh! o silêncio das salas de espera
Onde esses pobres guarda-chuvas lentamente escorrem...
O silêncio das salas de espera
E aquela última estrela...
Aquela última estrela
Que bale, bale, bale,
Perdida na enchente da luz...
Aquela última estrela
E, na parede, esses quadrados lívidos,
De onde fugiram os retratos...
De onde fugiram todos os retratos...
E esta minha ternura,
Meu Deus,
Oh! toda esta minha ternura inútil, desaproveitada!...
Onde esses pobres guarda-chuvas lentamente escorrem...
O silêncio das salas de espera
E aquela última estrela...
Aquela última estrela
Que bale, bale, bale,
Perdida na enchente da luz...
Aquela última estrela
E, na parede, esses quadrados lívidos,
De onde fugiram os retratos...
De onde fugiram todos os retratos...
E esta minha ternura,
Meu Deus,
Oh! toda esta minha ternura inútil, desaproveitada!...
Nietzsche, Nos escritos de um solitário; BH, 0310302011.
Nos escritos de um solitário se ouve sempre algo como o eco
Do deserto, como o murmúrio e o olhar tímido da solidão; em suas
Palavras mais enérgicas, em seu própio grito, há o subentendido de
Uma maneira de silêncio e de mutismo, maneira nova e mais perigosa.
Para aquele que ficou durante anos, dia e noite, em confidências e em
Discussões íntimas, só com sua alma, para aquele que em sua caverna
- Pode ser um labirinto, mas também uma mina de ouro - se tornou um
Urso, um pesquisador ou um guardião do tesouro, um dragão: as ideias
Terminam por assumir uma tintura de meia-luz, um odor de profundeza
E de turvo, algo de incomunicável que lança um sopro glacial no rosto
Do passado.
O solitário não acredita que um filósofo - admitindo que
Um filósofo tenha sempre começado por ser um solitário - tenha jamais
Escrito nos livros seu pensamento verdadeiro e definitivo.
Não se escrevem livros precisamente para esconder o que se tem em si?
- Sim, colocará em dúvida que um filósofo possa ter opiniões "derradeiras e
Verdadeiras" que nele, atrás de uma caverna, não haja necessariamente
Uma caverna mais funda - um mundo mais vasto, mais estranho, mais
Rico que uma superfície, uma profundidade atrás de cada fundo, sob
Cada "fundamento".
Toda filosofia é uma "filosofia de primeiro plano" - esse é um julgamento
De solitário.
"Há algo de arbitrário no fato de que se deteve aqui, que olhou para trás e
Em torno de si, que não escreveu aqui mais profundamente e que jogou de
Lado a pá - deve-se ver nisso uma parte de desconfiança."
Toda filosofia esconde também uma filosofia, toda opinião é também um
Esconderijo, toda palavra também uma máscara.
Do deserto, como o murmúrio e o olhar tímido da solidão; em suas
Palavras mais enérgicas, em seu própio grito, há o subentendido de
Uma maneira de silêncio e de mutismo, maneira nova e mais perigosa.
Para aquele que ficou durante anos, dia e noite, em confidências e em
Discussões íntimas, só com sua alma, para aquele que em sua caverna
- Pode ser um labirinto, mas também uma mina de ouro - se tornou um
Urso, um pesquisador ou um guardião do tesouro, um dragão: as ideias
Terminam por assumir uma tintura de meia-luz, um odor de profundeza
E de turvo, algo de incomunicável que lança um sopro glacial no rosto
Do passado.
O solitário não acredita que um filósofo - admitindo que
Um filósofo tenha sempre começado por ser um solitário - tenha jamais
Escrito nos livros seu pensamento verdadeiro e definitivo.
Não se escrevem livros precisamente para esconder o que se tem em si?
- Sim, colocará em dúvida que um filósofo possa ter opiniões "derradeiras e
Verdadeiras" que nele, atrás de uma caverna, não haja necessariamente
Uma caverna mais funda - um mundo mais vasto, mais estranho, mais
Rico que uma superfície, uma profundidade atrás de cada fundo, sob
Cada "fundamento".
Toda filosofia é uma "filosofia de primeiro plano" - esse é um julgamento
De solitário.
"Há algo de arbitrário no fato de que se deteve aqui, que olhou para trás e
Em torno de si, que não escreveu aqui mais profundamente e que jogou de
Lado a pá - deve-se ver nisso uma parte de desconfiança."
Toda filosofia esconde também uma filosofia, toda opinião é também um
Esconderijo, toda palavra também uma máscara.
Moacyr Luz/Aldir Blanc, Flores em Vida; BH, 0310302011.
Ele é um samba de quadra da mangueira,
Que Deus letrou, dá aula sobre a cidade
E nessa Universidade é o Reitor.
Como ensinou outro Nelson:
Despedida não dá nenhum prazer.
Pra parar com essa mania de sofrer,
Trouxe aqui flores em vida pra você.
Se a paixão do momento engana que é bonita,
O Nelson Sargento diz que acredita.
Essa é a grandeza que o samba nos legou:
Em cada tristeza, erguer nosso copo ao humor.
Se o riso é mais do que o cansaço,
Mangueira cabe em nosso abraço
E toda dor desse mundo enfeita nossa fantasia...
Sargento apenas no apelido,
Guerreiro negro dos Palmares,
Nelson é o Mestre Sala dos Mares
Singrando as águas da Baía.
Legião Urbana, Monte Castelo; BH, 0310302011; ouçam, cantem, dancem, emocionem-se.
Ainda que eu falasse
A língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
É só o amor,
É só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.
O amor é o fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.
Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.
É um não querer mas que bem querer.
É solitário andar por entre a gente.
É um não contentar-se de contente.
É cuidar que se ganhe sem se perder.
É um estar-se preso por vontade.
É servir a quem vence o vencedor.
É ter com quem nos mata a lealdade.
E tão contrário a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos dormem.
Todos dormem, todos dormem.
Agora vejo em parte.
Mas então veremos face a face.
É só o amo, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
José Alencar Gomes da Silva; BH, 0300302011; Publicado: BH, 0310302011.
José Alencar Gomes da Silva
O que de demais triste que
Vejo em teu velório são as
Falsas condolências dos
Mortos que vão levar teus
Ossos é triste ver José
Sarney com cara de
Sentimentos qual morto
Acredita num pesar tristeza
Dum cadáver igual a José
Sarney? Michel Temer com
Cara de dor? quem crê?
Aécio Neves de nariz
Vermelho cara de chorão?
Convencem? quem acredita?
Pêsames de mortos do judiciário?
Condolências desses fantasmas
Do legislativo? dos vermes das
Assembleias das câmaras
Municipais? dos párias parasitas
Do executivo? José Alencar
Gomes da Silva tenho certeza
De que não precisas nem gostas
Desses tão fisiológicos falsos
Votos desses que nunca fizeram
Nem fazem nada pelo Brasil a
Não ser a causar mais o
Empobrecimento do povo se
Esses corruptos corruptores
Corrompidos suas corrupções
Que aqui jazem que fingem
Prantear tua morte realmente
Quisessem seguir teu exemplo a
Corrupção já teria sido banida
Do seio da nação o país seria
Olhado com outros olhos há
Muito tempo falsas lágrimas
Falsas lamentações falsas
Condolências tua grandeza não
Merece a pequenez desses cães
Vira-latas muito obrigado por ser
Mineiro por ser brasileiro mesmo
Morto agora nos deixa um legado
De memória viva
José Alencar Gomes da Silva
quarta-feira, 30 de março de 2011
Beatles, Not a second time; BH, 0300302011; ouçam, cantem, dancem.
You know you made me cry
I see no use in wondering why
I cry for you
And now you've changed your mind
I see no reason to change mine
I cry it's through, oh
You're giving me the same old line
I'm wondering why
You hurt me then
You're back again
No, no, no, not a second time
You know you made me cry
I see no use in wondering why
I cry for you, yea
And now you've changed your mind
I see no reason to change mine
I cry it's through, oh
You're giving me the same old line
I'm wondering why
You hurt me then
You're back again
No, no, no, not a second time
Not a second time
Not the second time
No, no, no, no, no
No, no no
|
The Beatles, I will; BH, 030302011; ouçam, cantem, toquem, dancem.
Who know how long
Gm C7 F
I've loved you, you know
Dm Am
I love you still
F7/A Bb C7/G Dm/A F/A
Will I wait a lonely lifetime
Bb C7/G F Dm Gm
If you want me to, I will
C7 F Dm Gm C7
For it I ever saw you
F Dm Am
I didn't catch your name
E7/A Bb C7/G Dm/A F/A
Bur it never really mattered
Bb C7/G F F7
I will always feel the same
Bb Am
Love you forever
Dm
And forever
Gm C7 F F7
Love you with all my heart
Bb Am Dm
Love you whenever we're together
G7 C7
Love you when we're you appart
F Dm Gm C7
And when at last I find you
F Dm Am
Your song will fill the air
F7/A Bb C7/G Dm/A Bbm/Db F/C
Sing it loud so I cant hear you
Bb C7/G Dm/A Bbm/Db F/C Bb C7/G
Make it easy to be near you for things you do
Dm/A Bbm/Db F/C Cb
Endear you to me
Gm C7 Db/F
You Know I will
F
I will
terça-feira, 29 de março de 2011
Arthur Rimbaud, Cabeça de fauno; BH, 0290302011.
Na ramagem, escrínio verde e informe,
Na ramagem, manchada de ouro e flores
Esplendorosas onde o beijo dorme,
Vivo e partindo insólitos lavores,
Um fauno aflora os olhos e o chavelho
E morde a rubra flor com dentes brancos.
Lisa e sangrente como um vinho velho
No bosque a boca explode em risos francos.
E quando então fugiu - como um esquilo -
Seu riso ainda em cada folha oscila;
Vê-se o pisco assustar o então tranquilo
Beijo-de-ouro do Bosque, que se afila.
Na ramagem, manchada de ouro e flores
Esplendorosas onde o beijo dorme,
Vivo e partindo insólitos lavores,
Um fauno aflora os olhos e o chavelho
E morde a rubra flor com dentes brancos.
Lisa e sangrente como um vinho velho
No bosque a boca explode em risos francos.
E quando então fugiu - como um esquilo -
Seu riso ainda em cada folha oscila;
Vê-se o pisco assustar o então tranquilo
Beijo-de-ouro do Bosque, que se afila.
Arthur Rimbaud, Os pobres na igreja; BH, 0290302011.
Amontoados a um canto, entre os bancos da igreja,
Que seu fétido bafo aquece, olhos curiosos
Postos no coro oirado e no mestre que harpeja
De vinte goelas vis os cantos piedosos.
Sentindo o calor da cera igual perfume a pão,
Felizes, como cães humilhados, acuando,
Os Pobres do bom Deus, seu amo e seu patrão,
Vão risíveis améns e oremus recitando.
As mulheres faz bem esse alisar dos bancos
Depois que Deus lhes deu seis dias de penar!
E berçam, enrolando em tristes cueiros brancos,
Espécies infantis que choram sem parar;
Comedoras de sopa, o sujo seio arqueando,
Uma prece no olhar mas nunca orando aos céus,
Observam desfilar maldosamente um bando
De meninas com seus excêntricos chapéus.
Lá fora, o frio, a fome, o marido na farra.
É bom. Uma hora mais. Depois, pobres coitadas!
- Enquanto isso, ao redor, sussurra, geme, escarra
A pobre coleção de velhas papadas:
Os estupores lá estão e os epiléticos,
Dos quais, nalguma esquina, ao vê-los, se desvia:
E raspando o nariz em seus missais caquéticos,
Esses cegos que cão conduz à sacristia.
Que seu fétido bafo aquece, olhos curiosos
Postos no coro oirado e no mestre que harpeja
De vinte goelas vis os cantos piedosos.
Sentindo o calor da cera igual perfume a pão,
Felizes, como cães humilhados, acuando,
Os Pobres do bom Deus, seu amo e seu patrão,
Vão risíveis améns e oremus recitando.
As mulheres faz bem esse alisar dos bancos
Depois que Deus lhes deu seis dias de penar!
E berçam, enrolando em tristes cueiros brancos,
Espécies infantis que choram sem parar;
Comedoras de sopa, o sujo seio arqueando,
Uma prece no olhar mas nunca orando aos céus,
Observam desfilar maldosamente um bando
De meninas com seus excêntricos chapéus.
Lá fora, o frio, a fome, o marido na farra.
É bom. Uma hora mais. Depois, pobres coitadas!
- Enquanto isso, ao redor, sussurra, geme, escarra
A pobre coleção de velhas papadas:
Os estupores lá estão e os epiléticos,
Dos quais, nalguma esquina, ao vê-los, se desvia:
E raspando o nariz em seus missais caquéticos,
Esses cegos que cão conduz à sacristia.
Arthur Rimbaud, Minha boêmia, (fantasia); BH, 0290302011.
Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos;
Meu paletó também tornava-se ideal;
Sob o céu, Musa, eu fui teu súdito leal,
Puxa vida! a sonhar amores destemidos!
O meu único par de calças tinha furos.
- Pequeno Polegar do sonho ao meu redor
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.
- Os meus astros no céu rangem frêmitos puros.
Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,
Nas noites de setembro, onde senti qual vinho
O orvalho a rorejar-me a fronte em comoção:
Onde rimando em meio a imensidões fantásticas,
Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas
E tangia um dos pés junto ao meu coração.
Meu paletó também tornava-se ideal;
Sob o céu, Musa, eu fui teu súdito leal,
Puxa vida! a sonhar amores destemidos!
O meu único par de calças tinha furos.
- Pequeno Polegar do sonho ao meu redor
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.
- Os meus astros no céu rangem frêmitos puros.
Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,
Nas noites de setembro, onde senti qual vinho
O orvalho a rorejar-me a fronte em comoção:
Onde rimando em meio a imensidões fantásticas,
Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas
E tangia um dos pés junto ao meu coração.
Arthur Rimbaud, Sensação; BH, 0290302011.
Nas tardes de verão, irei
Pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a
Erva miúda:
Sonhador, sentirei um frescor
Sob os pés
E o vento há de banhar-me
A cabeça desnuda.
Calado seguirei, não pensarei
Em nada:
Mas infinito amor
Dentro do peito abrigo,
E, como boêmio irei, bem
Longe pela estrada,
Feliz - qual se levasse uma
Mulher comigo.
Pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a
Erva miúda:
Sonhador, sentirei um frescor
Sob os pés
E o vento há de banhar-me
A cabeça desnuda.
Calado seguirei, não pensarei
Em nada:
Mas infinito amor
Dentro do peito abrigo,
E, como boêmio irei, bem
Longe pela estrada,
Feliz - qual se levasse uma
Mulher comigo.
Arthur Rimbaud, Os lábios cerrados. Visto de Roma*; BH, 0290302011.
Existe em Roma, na Sistina,
Cheia de signos de evangelhos,
Caixa forrada à percalina
Contendo só narizes velhos:
Os de tebáidicos ascetas;
De cônegos do Santo Graal,
Em que se espelham noites quietas
E o cantochão mais sepulcral.
Nessa secura sorumbática,
Para avivar-lhes sempre a fé,
Dão-lhe a imundície cismática
Que reduziram a rapé.
*Leon Dierx (A.R.)
Cheia de signos de evangelhos,
Caixa forrada à percalina
Contendo só narizes velhos:
Os de tebáidicos ascetas;
De cônegos do Santo Graal,
Em que se espelham noites quietas
E o cantochão mais sepulcral.
Nessa secura sorumbática,
Para avivar-lhes sempre a fé,
Dão-lhe a imundície cismática
Que reduziram a rapé.
*Leon Dierx (A.R.)
Antigamente música era emoção; BH, 0401002001; Publicado: BH, 0290302011.
Antigamente música era emoção
Vinha do coração hoje é ganha
Pão minha terra meu irmão tem
Palmeira sabiá tem cutia tem
Preá no fim da tardinha início
Da noitinha os morcegos vêm
Voar passam por entre as copas
Das árvores dão rasantes perto
Dos meninos a meter medo nas
Meninas antigamente nós víamos
Com mais constância paca tatu
Teiú hoje tudo sumiu a música a
Poesia viraram cifras ficaram
Vazias acabou-se a liberdade
Ainda apodreceu-se a democracia
Matou-se a cultura ninguém se
Importa mais com a verdade a
Esperança deixa que a mídia
Lança o povo com a sua gastança
Irá consumir para se sumir na
Intolerância com a inteligência a
Sabedoria só a sustentar a ignorância
A estupidez do indiferente com a
Sua morbidez de estúpido crônico
Ignorante inveterado que faz
Questão de morrer nas trevas
Não viver na luz da realidade
Minha terra meu irmão tem palmeira
Sabiá capivara tamanduá é por
Isso que todo dia só de alegria
Fico bêbado igual a um gambá
Acordei hoje com um acorde; BH, 0180202011; Publicado: BH, 0290302011.
Acordei hoje com um acorde
Diferente na boca um gosto
De sangue no corpo um
Cansaço como o de quem
Estivesse a voar a noite toda
Não dormi fui sacudido
Sacolejado saracoteado por
Todos os lados dois dentes
Doíam sem parar vi uma
Cruz tremi senti calafrios
Um único dente de alho me
Deteve num atalho uma
Trave de madeira que nem
Sei se era de lei pois não sou
Carpinteiro não entendo de
Pau me deixou muito mal
Com um mal estar no peito
O coração com defeito mas
Não tem jeito não tem gesto
Fico um pouco indigesto a
Luz do sol me causa furor
Fico o dia todo de luto
Quando estou assim até
Parece que o enterro é meu
Em frente ao espelho ao
Pentear o cabelo não me vi
No fundo da imagem fiquei
Preocupado mas não entrei
Em pânico talvez tenha só
Ficado cego ou tido uma
Vertigem perdi o vestígio
Vestido novo para o fato
Era velho de época
Medieval ainda por cima
Pesado escuro gola alta
Nada condizente com os
Usos costumes atuais até
Em mim mesmo metia
Medo pensei a única saída
É não dormir mais
Jornal Nacional o JN da TV Globo é nacional; BH, 0280302011; Publicado: BH, 0290302011.
Jornal Nacional o JN da TV Globo é nacional
Mas quem aparece é o Muamar Kadafi a falar
Em árabe Barack Obama em inglês Salek
Outros ditadores reis políticos árabes mas a
Presidenta Dilma Vana Rousseff não aparece
É citada numa matéria sobre a Rede Cegonha
Só sem imagem Jornal Nacional JN da TV
Globo de propósito desconhece a nossa
Presidenta põe no ar imagens de vários
Dirigentes do mundo todo a falarem vários
Idiomas esquece boicota ignora despreza
A nossa presidenta a falar em português
Praticamente ignoram que o Brasil tem
Governo vejo agora o Nicolas Sarkozy a
Fazer acenos vejo a Ângela Merkel fala em
Alemão até o mafioso Silvio Berlusconi tem
Direito à imagem na minha tv menos a minha
Presidenta Dilma Vana Rousseff será que o
Jornal Nacional JN da TV Globo tem
Preconceito? que absurdo é esse? causa-me
Indignação essa falta de respeito com a maior
Líder da nação as autoridades da Comunicação
Do executivo do legislativo do judiciário
Precisam chamar às falas os irresponsáveis
Pelo Jornal Nacional JN da TV Globo para
Que pelo menos o direito de igualdade seja
Observado se todos os líderes doutros países
Aparecem na minha tela por quê a líder do
Meu país não pode?
O que escrevo não é algo tão bonito; BH, 0290302011; Publicado: BH, 0290302011.
O que escrevo não é algo tão bonito
Para ser considerado poesia descrevo
Gritos de loucos uivos de feras urros
De bestas berros de animais reflexos
De amentais espasmos de epiléticos
Não posso ser considerado poeta não
Posso ser classificado nem aceito no
Meio acadêmico sou sobrevivente
Da era da pedra lascada tudo que
Registro é o que consigo decifrar
Das paredes ocultas das minhas
Cavernas pré-históricas o que
Tento chamar de poesia não passa
De lamentos daqueles fetos dos
Partos daquelas mulheres dos
Períodos neolíticos não pode ser
De vanguarda não pode ser atual
Nem pode ser moderno um escrito
Novo se não fosse tão teimoso não
Tivesse tanto tempo ocioso não
Fosse preguiçoso gostasse de
Trabalhar não perderia tanto
Tempo a espalhar pelo mundo
Afora o que não deveria ter saído
De dentro do meu mundo não é
Sacro nem o osso a igreja amaldiçoa
Não é taumaturgo não mudará a
Sociedade ou trará felicidade à
Humanidade pode causar convulsão
No ser humano convulsionar a raça
Humana como não tem antídoto
Não tem vacina deve ser evitado
Para não virar epidemia não virar
Pandemônio com a infinidade de
Componentes que este espírito tenebroso
que move esta mão tenta segurar
The Beatles, I Follow the Sun; BH, 0290302011; ouçam, cantem, toquem, dancem.
C G F7
One day you'll look
C D7
To see I've gone
C Em7
For tomorrow may rain
F G7 C F
So, I'll follow the sun
C G F7
Some day you'll Know
C D7
I was the one
C Em7
But tomorrow may rain
F G7 C F
So, I'll follow the sun
C7 Dm
And now the time has come
Fm C C7
And so, my love, I must go
Dm
And though I lose a friend
Fm C
In the end you will Know
Dm
Oh! oh! oh!
G F7
One day you'll find
C D7
That I've have gone
C Em7
But tomorrow may rain
D7 G7 C F C
So, I'll follow the sun
segunda-feira, 28 de março de 2011
Já andei pelo mundo antes; BH, 0180202011; Publicado: BH, 0280302011.
Já andei pelo mundo antes
Andei pelos continentes
Por países cidades conheci
Todas as aldeias tabas fauna
Flora atravessei mares com
Os grandes navegadores vi
Náufragos naufrágios tive
Naus caravelas já andei por
Montes montanhas estive
Em morros ladeiras vi a
Matança de indígenas as
Fogueiras da inquisição
A perseguição das bruxas
Ou sou andado me fales
Dum planeta que não tenha
Visitado ou duma estrela
Que não tenha beijado
Ou dum sol que não
Tenha tatuado na pele
Ou duma lua por quem
Não tenha me apaixonado
Sim não nego já andei pelo
Mundo fui pedra fui índio
Fui negro cigano pastor fui
Árvore ave vento brisa fui
Flor capim grama jardim
Agora ai de mim malgrado
Meu nem sei quantos anos
Tenho muito menos quantos
Sou sou incontável à toda
Hora me multiplico me divido
Ou me somo pelo infinito
Sumo nas poeiras nas areias
Nos átomos para me encontrar
Às vezes é fácil outras difícil
Estou nas letras nas palavras nas
Sentenças só não estou em mim
Nietzsche, Das Virtudes do Futuro; BH, 0280302011.
Por que razão, quanto mais compreensível se tornou o mundo,
Mas foi diminuída toda espécie de solenidade?
Teria sido porque o medo foi tão frequentemente o elemento
Fundamental dessa veneração que se apoderava de nós diante
De tudo o que nos parecia desconhecido, misterioso, e nos
Levava a nos prosternar e pedir graça diante do incompreensível?
E pelo fato de nos termos tornado menos receosos, não teria o
Mundo perdido para nós seu encanto?
Ao mesmo tempo nossa disposição ao temor, nossa própria
Dignidade, nossa solenidade, nossa própria aptidão a aterrorizar
Não teriam diminuido?
Não estimaremos talvez menos o mundo e a nós mesmos, desde
Que temos, a respeito dele e ao nosso, pensamentos mais corajosos?
Viria talvez um momento, no futuro, em que essa coragem do
Pensador tivesse crescido tanto que tivesse o supremo orgulho de se
Sentir superior aos homens e às coisas - em que o sábio, sendo o
Mais corajoso, seria aquele que se visse a si mesmo e a existência
Completa abaixo dele?
- Esse gênero de coragem que não se afasta de uma excessiva
Generosidade tem até agora feito falta à humanidade.
Ah! os poetas não queiram tornar-se novamente o que foram talvez
Outrora: visionários que nos dizem alguma coisa daquilo
Que é possível!
Hoje, que lhes retiramos das mãos e que é necessário sempre mais
Lhes retirar de suas mãos o real e o passado - pois já passou o
Tempo em que inocentemente se cunhava moeda falsa! - deveriam
Nos dizer alguma coisa daquilo que toca as virtudes do futuro!
Ou das virtudes que não existirão nunca na terra, embora possam
Existir em alguma parte do mundo - as constelações purpúreas
E as imensas vias lácteas do belo!
Onde estão vocês, astrônomos do ideal?
Mas foi diminuída toda espécie de solenidade?
Teria sido porque o medo foi tão frequentemente o elemento
Fundamental dessa veneração que se apoderava de nós diante
De tudo o que nos parecia desconhecido, misterioso, e nos
Levava a nos prosternar e pedir graça diante do incompreensível?
E pelo fato de nos termos tornado menos receosos, não teria o
Mundo perdido para nós seu encanto?
Ao mesmo tempo nossa disposição ao temor, nossa própria
Dignidade, nossa solenidade, nossa própria aptidão a aterrorizar
Não teriam diminuido?
Não estimaremos talvez menos o mundo e a nós mesmos, desde
Que temos, a respeito dele e ao nosso, pensamentos mais corajosos?
Viria talvez um momento, no futuro, em que essa coragem do
Pensador tivesse crescido tanto que tivesse o supremo orgulho de se
Sentir superior aos homens e às coisas - em que o sábio, sendo o
Mais corajoso, seria aquele que se visse a si mesmo e a existência
Completa abaixo dele?
- Esse gênero de coragem que não se afasta de uma excessiva
Generosidade tem até agora feito falta à humanidade.
Ah! os poetas não queiram tornar-se novamente o que foram talvez
Outrora: visionários que nos dizem alguma coisa daquilo
Que é possível!
Hoje, que lhes retiramos das mãos e que é necessário sempre mais
Lhes retirar de suas mãos o real e o passado - pois já passou o
Tempo em que inocentemente se cunhava moeda falsa! - deveriam
Nos dizer alguma coisa daquilo que toca as virtudes do futuro!
Ou das virtudes que não existirão nunca na terra, embora possam
Existir em alguma parte do mundo - as constelações purpúreas
E as imensas vias lácteas do belo!
Onde estão vocês, astrônomos do ideal?
Manuel Bandeira, À Sombra das Araucárias; BH, 0280302011.
Não aprofundes o teu tédio.
Não te entregues à mágoa vã.
O próprio tempo é o bom remédio:
Bebe a delícia da manhã.
A névoa errante se enovela
Na folhagem das araucárias.
Há um suave encanto nela
Que enleia as almas solitárias...
As cousas têm aspectos mansos.
Um após outro, a bambolear,
Passam, caminho d'água, os gansos.
Vão atentos, como a cismar...
No verde, à beira das estradas,
Maliciosas em tentação,
Riem amoras orvalhadas.
Colhe-as: basta estender a mão.
Ah! fosse tudo assim na vida!
Sus, não cedas á vã fraqueza.
Que adianta a queixa repetida?
Goza o painel da natureza.
Cria, e terás com o que exaltar-te
No mais nobre e maior prazer.
A afeiçoar teu sonho de arte,
Sentir-te-às convalescer.
A arte é uma fada que transmuta
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.
Não te entregues à mágoa vã.
O próprio tempo é o bom remédio:
Bebe a delícia da manhã.
A névoa errante se enovela
Na folhagem das araucárias.
Há um suave encanto nela
Que enleia as almas solitárias...
As cousas têm aspectos mansos.
Um após outro, a bambolear,
Passam, caminho d'água, os gansos.
Vão atentos, como a cismar...
No verde, à beira das estradas,
Maliciosas em tentação,
Riem amoras orvalhadas.
Colhe-as: basta estender a mão.
Ah! fosse tudo assim na vida!
Sus, não cedas á vã fraqueza.
Que adianta a queixa repetida?
Goza o painel da natureza.
Cria, e terás com o que exaltar-te
No mais nobre e maior prazer.
A afeiçoar teu sonho de arte,
Sentir-te-às convalescer.
A arte é uma fada que transmuta
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.
Mário Quintana, De Longe Para Longe; BH, 0280302011.
Embora as vejas daqui,
Dentro deste mesmo ar,
As velhas catedrais
Estão no fundo do mar,
Cantando...
Vozes de sinos ou de preces
- É da tua alma que elas,
Às vezes, surgem à tona...
E esses velhos caminhos,
Embora o vejas daqui
- Sabes aonde irão dar?
Caminhos são mais antigos
Que a redondeza da terra.
Eles não descem os horizontes...
Seguem, sozinhos, no ar.
(E ai dos caminhos que levam
De volta ao mesmo lugar!)
Dizem que os deuses morreram?
Um deus sempre está sepulto
Para depois ressuscitar...
Viemos do fundo do mar,
No entanto, estamos na Lua...
Mas como se há de parar?
(Homens, sementes ocultas
Cujo sonho é germinar...)
E àquele que um dia foi
Do antigo Jardim expulso
Ofertamos os frutos
Da Grande Árvore Estelar.
Dentro deste mesmo ar,
As velhas catedrais
Estão no fundo do mar,
Cantando...
Vozes de sinos ou de preces
- É da tua alma que elas,
Às vezes, surgem à tona...
E esses velhos caminhos,
Embora o vejas daqui
- Sabes aonde irão dar?
Caminhos são mais antigos
Que a redondeza da terra.
Eles não descem os horizontes...
Seguem, sozinhos, no ar.
(E ai dos caminhos que levam
De volta ao mesmo lugar!)
Dizem que os deuses morreram?
Um deus sempre está sepulto
Para depois ressuscitar...
Viemos do fundo do mar,
No entanto, estamos na Lua...
Mas como se há de parar?
(Homens, sementes ocultas
Cujo sonho é germinar...)
E àquele que um dia foi
Do antigo Jardim expulso
Ofertamos os frutos
Da Grande Árvore Estelar.
Nietzsche, Todo pensador; BH, 0280302011.
Todo pensador profundo teme mais ser compreendido do que ser
Mal compreendido.
No último caso, sua vaidade talvez sofra, mas no
Primeiro, quem sofre é seu coração, sua simpatia que sempre diz:
"Ai! por que querem que o caminho lhes seja também tão penoso
Como o é para mim?"
Mal compreendido.
No último caso, sua vaidade talvez sofra, mas no
Primeiro, quem sofre é seu coração, sua simpatia que sempre diz:
"Ai! por que querem que o caminho lhes seja também tão penoso
Como o é para mim?"
Mário Quintana, Segunda Canção de Muito Longe; BH, 0280302011.
Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro...
Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa...
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós eramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos reluzentes, o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas...
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos...
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras...
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar a Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!...
A última vez que a vi, ele ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde.
Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro...
Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa...
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós eramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos reluzentes, o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas...
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos...
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras...
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar a Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!...
A última vez que a vi, ele ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde.
Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!
Fernando Pessoa, Outros Terão; BH, 0280302011.
Outros terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.
A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real. Não chega nunca a vez
Para mim.
"Que importa?"
Digo, mas só Deus sabe o que não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.
"Quem tem de ser?"
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.
Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.
13/1/1920.
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.
A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real. Não chega nunca a vez
Para mim.
"Que importa?"
Digo, mas só Deus sabe o que não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.
"Quem tem de ser?"
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.
Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.
13/1/1920.
Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, O Rio da Minha Aldeia; BH, 0280302011.
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio de minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
E quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio de minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
E quem está ao pé dele está só ao pé dele.
domingo, 27 de março de 2011
Tomás Antônio Gonzaga, Lira II; BH, 0270302011.
Pintam, Marília, os Poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
Que assim seja Amor; pois êle
Nem é môço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.
Ora pois, eu vou forma-lhe
Um retrato mais perfeito,
Que êle já feriu meu peito;
Por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
Que sôbre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura côr não são.
Têm a côr da negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem Marília, um composto
Da mais formosa união.
Tem redonda, e lisa testa,
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a vista jonesta,
E seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu,
Que no dia luminoso
O Céu tem um Sol formoso,
E o travêsso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
Purpúreas fôlhas de rosa,
Brancas fôlhas de jasmin.
Dos rubins mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo um suspito, e êle
Conheceu haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
Entendia eu não olhava:
Vendo que o via, baixava
A modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso:
Êle, ouvindo os seus louvores,
Com um gesto desdenhoso
Se sorriu, e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deu também resposta,
Constrangeu-se e suspirou.
Conheço os sinais, e logo
Animado de esperança,
Busco dar um desafôgo
Ao cansado coração.
Pego em teus dedos nevados,
E querendo dar-lhe um beijo,
Cobriu-se todo de pejo,
E fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é êste o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que êle foi quem me venceu.
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
Que assim seja Amor; pois êle
Nem é môço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.
Ora pois, eu vou forma-lhe
Um retrato mais perfeito,
Que êle já feriu meu peito;
Por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
Que sôbre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura côr não são.
Têm a côr da negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem Marília, um composto
Da mais formosa união.
Tem redonda, e lisa testa,
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a vista jonesta,
E seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu,
Que no dia luminoso
O Céu tem um Sol formoso,
E o travêsso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
Purpúreas fôlhas de rosa,
Brancas fôlhas de jasmin.
Dos rubins mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo um suspito, e êle
Conheceu haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
Entendia eu não olhava:
Vendo que o via, baixava
A modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso:
Êle, ouvindo os seus louvores,
Com um gesto desdenhoso
Se sorriu, e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deu também resposta,
Constrangeu-se e suspirou.
Conheço os sinais, e logo
Animado de esperança,
Busco dar um desafôgo
Ao cansado coração.
Pego em teus dedos nevados,
E querendo dar-lhe um beijo,
Cobriu-se todo de pejo,
E fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é êste o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que êle foi quem me venceu.
Antônio Nobre, Da Influência Da Lua; BH, 0270302011.
(Pôrto, 1886.)
Outono. O Sol, qual brigue em chamas, morre
Nos longes d'água... Ó tardes de novena!
Tardes de sono em que a poesia escorre
E os bardos, a cismar, molham a pena!
Ao longe, os rios de águas prateadas,
Por entre os verdes canaviais, esguios,
São como estradas líquidas, e as estradas,
Ao luar, parecem verdadeiros rios!
Os choupos nus, tremendo, arrepiadinhos,
O xale pedem a quem vai passando...
E nos seus leitos nupciais, os ninhos,
As lavandiscas noivam, piando, piando!
O orvalho cai do Céu, como um unguento.
Abrem as bôcas, aparando-o, os goivos;
E a laranjeira, aos repelões do Vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.
E o orvalho cai... E, à falta d'água, rega
O vale sem fruto, a terra árida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe prega
O seu Sermão de Lágrimas, à Lua!
A Lua! Ela não tarda aí, espera!
O mágico poder que ela possui!
Sôbre as sementes, sôbre o Oceano impera,
Sôbre as mulheres grávidas influi...
Ai os meus nervos, quando a Lua é cheia!
Da Arte novas concepções descubro,
Todo me aflijo, fazem lá idéia!
Ai a ascensão da Lua, pelo Outubro!
Tardes de Outubro! ó tardes de novena!
Outono! Mês de Maio, na lareira!
Tardes... Lá vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos Céus, a eterna freira!
Outono. O Sol, qual brigue em chamas, morre
Nos longes d'água... Ó tardes de novena!
Tardes de sono em que a poesia escorre
E os bardos, a cismar, molham a pena!
Ao longe, os rios de águas prateadas,
Por entre os verdes canaviais, esguios,
São como estradas líquidas, e as estradas,
Ao luar, parecem verdadeiros rios!
Os choupos nus, tremendo, arrepiadinhos,
O xale pedem a quem vai passando...
E nos seus leitos nupciais, os ninhos,
As lavandiscas noivam, piando, piando!
O orvalho cai do Céu, como um unguento.
Abrem as bôcas, aparando-o, os goivos;
E a laranjeira, aos repelões do Vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.
E o orvalho cai... E, à falta d'água, rega
O vale sem fruto, a terra árida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe prega
O seu Sermão de Lágrimas, à Lua!
A Lua! Ela não tarda aí, espera!
O mágico poder que ela possui!
Sôbre as sementes, sôbre o Oceano impera,
Sôbre as mulheres grávidas influi...
Ai os meus nervos, quando a Lua é cheia!
Da Arte novas concepções descubro,
Todo me aflijo, fazem lá idéia!
Ai a ascensão da Lua, pelo Outubro!
Tardes de Outubro! ó tardes de novena!
Outono! Mês de Maio, na lareira!
Tardes... Lá vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos Céus, a eterna freira!
Paul Éluard, Nunca A Noite Está Completa; BH, 0270302011.
Nunca a noite está completa
Sempre existiu porquanto eu digo
E também afirmo
No fim de uma aflição uma janela aberta
Uma janela acesa
Há sempre um sonho de atalaia
Desejo a saciar fome a satisfazer
Um coração generoso
Mãos estendidas mãos abertas
Olhos vigilantes
Vidas em comunhão.
Sempre existiu porquanto eu digo
E também afirmo
No fim de uma aflição uma janela aberta
Uma janela acesa
Há sempre um sonho de atalaia
Desejo a saciar fome a satisfazer
Um coração generoso
Mãos estendidas mãos abertas
Olhos vigilantes
Vidas em comunhão.
Paul Valéry, As Romãs; BH, 0270302011.
Duras romãs entreabertas
Cedendo a excesso de sementes,
Eu creio ver frontes ardentes
Rotas em suas descobertas!
Se o ardor do sol que resentis,
Romãs que estais desabrochadas,
Vos fez de orgulho trabalhadas
Rasgar o estojo de rubis,
E se a dourada vestimenta
Por um impulso compelida
Em gemas rubras arrebenta,
Essa luminosa ruptura
Me faz sonhar a alma nascida
De sua esconsa arquitetura.
Cedendo a excesso de sementes,
Eu creio ver frontes ardentes
Rotas em suas descobertas!
Se o ardor do sol que resentis,
Romãs que estais desabrochadas,
Vos fez de orgulho trabalhadas
Rasgar o estojo de rubis,
E se a dourada vestimenta
Por um impulso compelida
Em gemas rubras arrebenta,
Essa luminosa ruptura
Me faz sonhar a alma nascida
De sua esconsa arquitetura.
Arthur Rimbaud, Aurora; BH, 0270302011.
Eu abracei a aurora de verão.
Nada ainda se movia na frente dos palácios.
A água estava morta.
Os acampamentos de sombras não deixavam o caminho da floresta.
Andei, despertando as respirações vivas e cálidas;
E as pedrarias olharam, e as asas, sem ruído, se levantaram.
A primeira conquista foi, no caminho já inundado de clarões
Frescos e esmaecidos, uma flor me disse o seu nome.
Sorri para a cahoeira que se despenteava através dos pinheiros:
Pelas alturas prateadas, reconheci a deusa.
Levantei os véus, então, um a um.
Por entre as árvores agitando os braços.
Na planície, onde a denunciei ao galo.
Na cidade, ela fugia entre as cúpulas e campanários;
E, correndo, pelo cais de mármore,
Igual a um mendigo, eu a perseguia.
No alto do caminho, perto de um bosque de loureiros,
Envolvi-a nos véus recolhidos, e senti um pouco seu corpo imenso.
Caíram na extremidade do bosque a aurora e a criança.
Ao despertar, era meio-dia.
Nada ainda se movia na frente dos palácios.
A água estava morta.
Os acampamentos de sombras não deixavam o caminho da floresta.
Andei, despertando as respirações vivas e cálidas;
E as pedrarias olharam, e as asas, sem ruído, se levantaram.
A primeira conquista foi, no caminho já inundado de clarões
Frescos e esmaecidos, uma flor me disse o seu nome.
Sorri para a cahoeira que se despenteava através dos pinheiros:
Pelas alturas prateadas, reconheci a deusa.
Levantei os véus, então, um a um.
Por entre as árvores agitando os braços.
Na planície, onde a denunciei ao galo.
Na cidade, ela fugia entre as cúpulas e campanários;
E, correndo, pelo cais de mármore,
Igual a um mendigo, eu a perseguia.
No alto do caminho, perto de um bosque de loureiros,
Envolvi-a nos véus recolhidos, e senti um pouco seu corpo imenso.
Caíram na extremidade do bosque a aurora e a criança.
Ao despertar, era meio-dia.
Paul Verlaine, Três Anos Depois; BH, 0270302011.
Havendo aberto a porta estreita e vacilante,
Fiquei a passear no pequeno cercado
Que, doce, iluminava o brilho do levante,
Ateando em cada flor um clarão orvalhado
Tudo me pareceu: a vinha verdejante,
As cadeiras de palha e nada foi mudado...
O repuxo fazendo um murmúrio cantante
E o velho choupo o seu lamento demorado
Palpitam como outrora as rosas; como outrora
Os lírios senhoris que se agitam agora.
Conheço o saltitar de cada passarinho.
Até memo encontrei a franzina Veleda,
Seu gesso se escamando à beira do caminho
Envolta no banal perfume de reseda.
Fiquei a passear no pequeno cercado
Que, doce, iluminava o brilho do levante,
Ateando em cada flor um clarão orvalhado
Tudo me pareceu: a vinha verdejante,
As cadeiras de palha e nada foi mudado...
O repuxo fazendo um murmúrio cantante
E o velho choupo o seu lamento demorado
Palpitam como outrora as rosas; como outrora
Os lírios senhoris que se agitam agora.
Conheço o saltitar de cada passarinho.
Até memo encontrei a franzina Veleda,
Seu gesso se escamando à beira do caminho
Envolta no banal perfume de reseda.
Stéphane Mallarmé, Hoje O Dia Vivaz; BH, 0270302011.
Hoje o dia vivaz, virgem e luzidio
Vai-nos romper num golpe de asa mal contida
A rigidez do lago onde vive transida
A pureza glacial de um vôo que não fugiu!
Um cisne rememora o que ele foi no estio
Magnífico mas que de se livrar duvida
Por não haver cantado a região querida
Quando o tédio raiou na lassidão do frio.
Agitará seu colo a cândida agonia
Imposta pelo espaço à ave que o repudia,
Jamais o horror do chão que a plumagem cativa.
Fantasma por seu brilho em tal lugar banido,
Sem movimento jaz numa frieza altiva
Que em seu exílio veste o Cisne desvalido.
Vai-nos romper num golpe de asa mal contida
A rigidez do lago onde vive transida
A pureza glacial de um vôo que não fugiu!
Um cisne rememora o que ele foi no estio
Magnífico mas que de se livrar duvida
Por não haver cantado a região querida
Quando o tédio raiou na lassidão do frio.
Agitará seu colo a cândida agonia
Imposta pelo espaço à ave que o repudia,
Jamais o horror do chão que a plumagem cativa.
Fantasma por seu brilho em tal lugar banido,
Sem movimento jaz numa frieza altiva
Que em seu exílio veste o Cisne desvalido.
Charles Baudelaire, Os Gatos; BH, 0270302011.
O amante fervoroso e o pensador sombrio,
Na madura estação, costumam se apegar
Aos gatos fortes, bonachões, deuses do lar,
Que avessos são também às mudanças e ao frio.
Amigos da volúpia, amigos do saber,
Procuram o silêncio, a noite e seus mistérios;
Podiam ser do Erebo os ginetes funéreos,
Se o orgulho, em servidão, os deixasse viver.
Mantêm, no seu cismar, as poses conhecidas
Das esfinges que estão, no deserto, estendidas,
E parecem dormir num sonho persistente;
Em seu dorso fecundo, estranha luz cintila,
E partículas de ouro, iguais à areia ardente,
Acendem vagamente a mística pupila.
Na madura estação, costumam se apegar
Aos gatos fortes, bonachões, deuses do lar,
Que avessos são também às mudanças e ao frio.
Amigos da volúpia, amigos do saber,
Procuram o silêncio, a noite e seus mistérios;
Podiam ser do Erebo os ginetes funéreos,
Se o orgulho, em servidão, os deixasse viver.
Mantêm, no seu cismar, as poses conhecidas
Das esfinges que estão, no deserto, estendidas,
E parecem dormir num sonho persistente;
Em seu dorso fecundo, estranha luz cintila,
E partículas de ouro, iguais à areia ardente,
Acendem vagamente a mística pupila.
Leconte de Lisle, À Noite O Vento Frio; BH, 0270302011.
À noite, o vento frio, entre os ramos farfalha,
E rompe, muita vez, os galhos ressequidos;
Na planície, onde estão os mortos estendidos,
Branco e imenso lençol, a neve os amortalha.
Linha negra beirando o acanhado horizonte,
Um vôo de corvos vai passando de rapão,
E estraleja uma ossada, espalhada no chão,
Achada por uns cães nas encostas de um monte.
Ouço os mortos gemer, sob a relva ferida.
Ó lívido país da noite sem aurora,
Quebrando vossa paz, que lembrança agressora
Vos foge, a soluçar, da boca entorpecida?
............................................................................
Mas o morto se cala em seu mundo. Ilusão!
É o vento, o vivo afã dos cães em sua presa,
É teu suspiro triste, injusta natureza!
É o gemido, o clamor do aflito coração.
Cala-te! O céu é surdo, a terra descuidada.
Se não podes curar, por que tanto gemido?
Sucumbe sem falar como um lobo ferido
Que remorde o punhal com a boca ensanguentada.
Ainda uma tortura e um palpitar fremente.
Mais nada. E o chão se abrindo, a cinza nele cai:
A relva do silêncio esconde a tumba e vai,
Por sobre coisas vãs, crescendo eternamente.
E rompe, muita vez, os galhos ressequidos;
Na planície, onde estão os mortos estendidos,
Branco e imenso lençol, a neve os amortalha.
Linha negra beirando o acanhado horizonte,
Um vôo de corvos vai passando de rapão,
E estraleja uma ossada, espalhada no chão,
Achada por uns cães nas encostas de um monte.
Ouço os mortos gemer, sob a relva ferida.
Ó lívido país da noite sem aurora,
Quebrando vossa paz, que lembrança agressora
Vos foge, a soluçar, da boca entorpecida?
............................................................................
Mas o morto se cala em seu mundo. Ilusão!
É o vento, o vivo afã dos cães em sua presa,
É teu suspiro triste, injusta natureza!
É o gemido, o clamor do aflito coração.
Cala-te! O céu é surdo, a terra descuidada.
Se não podes curar, por que tanto gemido?
Sucumbe sem falar como um lobo ferido
Que remorde o punhal com a boca ensanguentada.
Ainda uma tortura e um palpitar fremente.
Mais nada. E o chão se abrindo, a cinza nele cai:
A relva do silêncio esconde a tumba e vai,
Por sobre coisas vãs, crescendo eternamente.
Victor Hugo, Pôr-do-Sol; BH, 0270302011.
À tarde, o sol se pôs, envolto em nuvens negras:
Amanhã, a procela, a tarde e a escuridão,
Depois, a aurora e seus clarões esmaecidos;
Passos do tempo, o dia e a noite lá se vão.
Os dias passarão, em chusma atravessando
Os rios cor de prata, os mares desmedidos,
Encostas da montanha e selvas que parecem
Cantar o cantochão dos morros mais queridos.
E a face do oceano e a fronte das montanhas,
Rugosas, perenais, e o bosque a verdejar
Sempre remoçarão; o rio das campinas
Tira sempre do monte a água que dá ao mar
A cabeça, porém, curvando sempre mais,
Eu caminho, transido, à luz do sol brilhante
Em breve, me apartando a festa deixarei,
Sem fazer falta ao mundo, imenso e radiante
Amanhã, a procela, a tarde e a escuridão,
Depois, a aurora e seus clarões esmaecidos;
Passos do tempo, o dia e a noite lá se vão.
Os dias passarão, em chusma atravessando
Os rios cor de prata, os mares desmedidos,
Encostas da montanha e selvas que parecem
Cantar o cantochão dos morros mais queridos.
E a face do oceano e a fronte das montanhas,
Rugosas, perenais, e o bosque a verdejar
Sempre remoçarão; o rio das campinas
Tira sempre do monte a água que dá ao mar
A cabeça, porém, curvando sempre mais,
Eu caminho, transido, à luz do sol brilhante
Em breve, me apartando a festa deixarei,
Sem fazer falta ao mundo, imenso e radiante
sábado, 26 de março de 2011
Babilak Bah, Artemosfera; BH, 0260302011.
O ser mântrico
Metáfora simétrica
Ritmo quântico
Melodia gótica
Engenharia poética
Tecnologia romãntica
Pacífico bélico
Romance atlântico
Artemosfera alérgica
Rima acrílica
Inspiração plástica
Pronome maltemático
Ser miótico épico
Ser mântico rústico
Ser artista genético
Ser blante ótico
Ser natural crítico
Ser mão místico
Poesia ser fálica metal
Põe Edgar lã Põe
Metáfora simétrica
Ritmo quântico
Melodia gótica
Engenharia poética
Tecnologia romãntica
Pacífico bélico
Romance atlântico
Artemosfera alérgica
Rima acrílica
Inspiração plástica
Pronome maltemático
Ser miótico épico
Ser mântico rústico
Ser artista genético
Ser blante ótico
Ser natural crítico
Ser mão místico
Poesia ser fálica metal
Põe Edgar lã Põe
Vicente Carvalho, Velho Tema; BH, 0260302011.
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a exigência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho de alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada,
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos,
E nunca a pomos onde nós estamos.
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a exigência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho de alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada,
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos,
E nunca a pomos onde nós estamos.
The Beatles, For no one; BH, 0260302011; ouçam, cantem, toquem, dancem.
C Em/B
Your day breaks, your mind aches
Am Am/G F Bb7
You find that all her words of kindness linger on
C
When she no longer needs you
Em/B
She wakes up, she makes up
Am Am/G F Bb7
She takes her time and doesn't feel she has to hurry
C
She no longer needs you
Dm A7
And in her eyes you see nothing
Dm A7 Dm
No sign of love behind the tears
A7
Cried for no one
Dm A7 Dm G4/7 G7
A love that should have lasted years
C Em/B
You want her, you need her
Am Am/G F
And yet don't believe her when she says
Bb7 C
Her love is dead, you think she needs you
Estribilho
C Em/B
You stay home, she goes out
Am Am/G F
She says that long ago she knew someone
Bb7 C
But now he's gone she doesn't need him
Em/B
Day day breaks, your mind aches
Am Am/G F
There will be times when all the things she said
Bb7 C
Will fill your head, you won't forget her
Estribilho
sexta-feira, 25 de março de 2011
A brisa tem arte de artista; BH, 0180202011; Publicado: BH, 0250302011.
A brisa tem arte de artista
E escreve em minha pele carícias
Meigas e serenas, deixa tatuagens de
Orvalho e desenhos de sereno; a brisa
É leve como a névoa e faz uma
Performance surrealista, faz um
Movimento de vanguada, uma
Contra cultura e quem não entende
A brisa não entende nada; e nas
Núpcias da brisa com o vento, a lua
De mel é em ritmo de vendaval,
É em embalos de furacão, gozos
De tornados e orgasmos apoteóticos
De noites de carnaval; a brisa não
Tem cadeia, grilhão ou corrente,
Entra em casa de rico e também
De indigente, alegra a todo morto,
Alegra ao vivo, alegra a toda a
Gente; a brisa faz até milagres,
Preserva o são e cura o doente;
Meu coração pulsa pela brisa; meu
Pulmão sofre de ansiedade e a brisa
Me envolve nua, sussurra aos meus
Ouvidos, sou tua, e a possuo
E a brisa me possui, e sofro, pois a brisa
Não é fiel e imagino que tenha
Infinitos amantes; mas quando
Chega a minha vez é só
Minha, e sou só da brisa, e somos
Um só no universo, um só movimento,
Sinfônico filarmônico harmônico
Sincronizado no vale da sombra
E no vale da luz; a brisa
Chicoteia minhas costas pois sou
Seu escravo, e soca minha face
Pois sou seu sparring, e o que mais
Importa, é que depois da sova, fico
Maior, mais gostoso tal um
Bolo saído do forno.
O dia em que fizer um juramento; BH, 0180202011; Publicado: BH, 0250302011.
O dia em que fizer um juramento
E tiver um mandamento,
Um princípio, um meio e um fim,
Nunca precisarei de dar a palavra,
De ter uma causa, um ideal,
Ou um tema; o dia em que
Defender uma tese, um
País, ou uma família; nunca
Precisei ir à guerra, derramar
Sangue ou suar a camisa;
Nunca precisei chorar para comer,
Fazer uma revolução ou inventar,
Ou descobrir; nunca precisei de nada;
Nunca lutei pela liberdade, pela
Igualdade ou fraternidade;
Nunca lutei pela vida e na
Hora da morte irei me acovardar,
Chorar de medo e me esconder
Atrás da porta ou debaixo da cama;
E não deixarei testamento,
Não terei inventário e nem
Herança para deixar; percebo e
Sinto que serei um peso, alguém
Terá que me arrastar, pois serei
Um fardo nas costas da sociedade;
O estado terá que arcar com
O meu enterro; sugou meu
Sangue até a última gota e
Terá que vomitar o que roubou
De mim; é por isso que
Sou ladrão, pois nada mais
Ladrão do que o estado e
É por isso que roubo o estado;
Ladrão que rouba ladrão tem
Cem anos de perdão; não sou
Cidadão; mas nada é mais
Explorado do que o cidadão; vejam
Os párias e parasitas do legislativo,
Do executivo e do judiciário, que
O cidadão tem que sustentar.
Viverei mais alienado aínda do que já sou; BH, 0180202011; Publicado: BH, 0250302011.
Viverei mais alienado ainda do que já sou
E não leio revistas e nem leio jornais
E não leio livros e nem assisto televisão
E nem uso internet de nenhum
Computador; viverei mais alienado
Ainda do que já sou; não tenho
Telefone celular, não vou ao cinema,
Ao teatro ou exposição; não frequento
Bibliotecas, museus ou reuniões e
Saraus; farei bem pouco caso da
Cultura e religião, e viverei sem
Educação; nada mais me interessará;
Gostem ou não, me amem ou não, me
Odeiem ou não; viverei ou morrerei
Agora para todas as coisas alienistas;
Não comprarei e só venderei votos e
Almas; políticos comigo só com os
Adiantamentos; não darei mole para
Políticos; querem votos, então paguem e
Bem pago ou do contrário, ralem
Igual ralo, ou não têm mordomias;
Não têm verbas de gabinete, auxílio
Moradia, ternos, carros com motorista,
Gasolina paga; deixei de ser otário;
Voto nos caras e só os caras usufruem das
Benesses das mamatas e das maracutaias;
Comigo não; se não pagar, não leva; e
Penso que todo mundo deveria ser assim,
Pois o político, a primeira coisa que
Faz, quando é eleito, é se vender; é vender
O voto, chantagear e agir como um
Bandido, com quem está no comando do
Governo; então, agora comigo é assim;
Agirei da mesma forma; toma lá, dá cá; o
Cara fica lá um pouquinho, sem trabalhar,
E a aposentadoria é um maná; e morro
Afogado todo dia e ainda tenho que nadar.
Pagues e nada temos a oferecer; BH, 0180202011; Publicado: BH, 0250302011.
Pagues e nada temos a oferecer,
Queremos teu suor e teu sangue
E as tuas lágrimas, quiça a tua
Alma; queremos o teu corpo, tua pele,
Teus olhos e teus cabelos; nada
Te daremos em troca; construiremos
Sobre tu as nossas igrejas, os nossos
Futuros e garantias; pagues e
Cales e se esperneares, come
Solta a borracha franca na
Tua bunda de cidadão; saibas
Que para nós não tem essa
Não: é no judiciário, é no
Legislativo, é no executivo, o
Que tu levas é pau no lombo,
Meu amigo; como ficaremos se tu
Deixares de pagar as nossas contas?
E as nossas benesses e mordomias?
E as nossas vidas de nababos, de
Elite e de burguesia? tu tens
Que pagar, que precisamos
Beber wisky, comer ninfetas e caviar;
Temos viagens, turismo sexual para fazer,
Carrões possantes para comprar e a conta
É tua; tu és o nosso sustentáculo, fiador,
Tu és o nosso baluarte; tu és o nosso
Trabalho, trabalhas por nós e para nós;
Tue és o nosso cavalo, montamos no teu
Cangote e vamos a trote, de leste a
Oeste, de sul a norte; pagues teu cabra
Da peste, burro de carga, jumento do
Agreste; nossos palácios estão um
Brilho só, e se não pagares, e nos
Faltar algo, o destino de tua vida
Será o xilindró, pagues teu bocó.
quinta-feira, 24 de março de 2011
Fantasma atrás da porta; BH, 0180202011; Publicado: BH, 0240302011.
Saias detrás dessa porta, seu fantasma
Vagabundo, espírito errante, alma
Vacilante; o que fazes aí nessa
Penumbra? já não basta tu
Seres uma sombra, e ainda
Estás aí a espiar-me das sombras?
Que espécie de pobre ou rico
Diabo és tu? não sei; só
Sinto esse bafio na minha
Nuca e o peso do teu olhar
Vazio em mim; não me cobiças,
Não quero concorrência no meu
Ramo; tu vens aqui agir na
Minha área? vais ficar sempre
Às escondidas a sondares aos
Que queres seduzir? apareças um
Dia, ou uma noite, quando a
Luz estiver acesa; não me tentes
Das trevas; venhas para o campo
Limpo, para as colinas e veredas;
Não queres deixar a umidade?
Sinto o cheiro de mofo no teu
Esconderijo; abres pelo menos
As janelas; deixas entrar o ar
Fresco, alguns raios da luz do
Sol, para arejar e depois tu
Fechas novamente; ficar a me
Rondar assim, a me sondar, a
Querer a me pegar de surpresa,
Não venhas me derrubar que
Eu não caio; não entro no teu
Balaio e nem sou teu cavalo
Baio; podes murmurejar à
Vontade, é até bom que me
Faz lembrar no tempo em
Que eu vivia no mar.
Falem mal mas não dou valor ao oráculo; BH, 0210202011; Publicado: BH, 0240302011.
Falem mal mas não dou valor ao oráculo,
À vida religiosa que suga o homem,
Da mesma forma como não dou
Valor ao estado que faz o homem
De suco; não compro um material
Que seja vertido do lado religioso,
Nunca, nunca compactuarei do mesmo
Lado em que estiver um Silas Malafaia;
Só os loucos, os muito loucos mesmo,
Alienados, são capazes de seguir
Doutrinas comandadas por um Silas
Malafaia, um Marcos Valadão ou
Um R R Soares: eu não; se é ser
Ateu, não seguir as religiões
Deles, sou ateu; sou apóstata,
Por não conjugar na mesma
Língua de um Edir Macedo;
Podem falar mal de mim e me
Desejarem o mau; mas não frequento
A mesma mesa; abomino as
Religiões, as religiosidades e
Tudo mais que foi inventado
Por esses homens em nome de Deus;
Os que gritam glórias, aleluias,
E enchem as cuias deles de cifrões,
São uns charlatões; os que gritam
Que viram revelações, predições,
Que fazem milagres, miseráveis
Taumaturgos, só querem os recheios
Das contas bancárias; e sou
Índio, sou Tupã, sou o Sol,
Sou a Lua, sou até a
Árvore; só não sou igrejas,
Não sou esterco de livres
Pensadores que querem impor
Seus pensamentos e suas
Profecias em mim.
O carnaval está aí de novo; BH, 0210202011; Publicado: BH, 0240302011.
O carnaval está aí de novo,
A bater em minha porta e será
Mais um dia, em que não irei
Para a folia e só me encherei
De agonia, ai que melancolia,
Viver sem o carnaval, sem o rei
Momo e as rainhas e princesas; ai
Que casa cheia de ais, sem a
Festa do samba e as marchinhas
De antigos carnavais; minhas
Escolas preferidas, estão longe de
Mim, lá no Rio de Janeiro, terra
De tambores e pandeiros, de sambistas
E partideiros, de passistas e baianas,
Mestres-salas e porta-bandeiras,
Comissões de frente e luxuosos
Abre-alas; o carnaval está de
Novo no meu quintal e a
Tristeza é a minha companhia,
Longe dos blocos e dos desfiles,
Já me sinto perdido a não
Ter o que fazer e ressoar em meus
Ouvidos os cantos idos, os alaridos
Perdidos nas festas que não voltam
Mais, na apoteose dos festivais de
Fantasias; então vou suspirar, soluçar,
Sem cadência, sem um samba
Para cantar ou uma marchinha
Salutar; vou esfriar ainda mais
Meu iceberg e meu titanic afundará
Sem sobreviventes, nessas águas frias,
Nesses mares nevoentos, tranquilos,
Dessas montanhas, cheios de ventos,
Nesses ares calmosos onde não se
Canta aos orixás; não tem roda de
Malandros e nem levantar de poeiras,
Requebros de mulatas e suores de
Negras passistas, e samba batido na
Mão; fazer o quê? é só o silêncio
Como o bater do meu coração.
Gonçalves Dias, A Tarde; BH, 0230302011.
Oh tarde, oh bela tarde, oh meus amôres,
Mãe da meditação, meu doce encanto!
Os rogos da minha alma enfim ouviste,
E grato refrigério vens trazer-lhe
No teu remansear prenhe de enlevos!
Enquanto de te ver gostam meus olhos,
Enquanto sinto a minha voz nos lábios,
Enquanto a morte me não rouba à vida,
Um hino em teu louvor minha alma exala,
Ó tarde, ó bela tarde, ó meus amôres!
I
É bela a noite, quando grave estende
Sôbre a terra dormente o negro manto
De brilhantes estrêlas recamado;
Mas nessa escuridão, nesse silêncio
Que ela consigo traz, há um quê de horrível
Que espanta e desespera e geme n'alma;
Um quê de triste que nos lembra a morte!
No romper d'alva há tanto amor, tal vida,
Há tantas côres, brilhantismo e pompa,
Que fascina, que atrai, que a amar convida;
Não pode suportá-la homem que sofre,
Órfãos de coração não podem vê-la.
Só tu, feliz, só tu, a todos prendes!
A mente, o coração, sentidos, olhos,
A ledice e a dor, o pranto e o riso,
Folgam de te avistar; - são teus, - és dêles.
Homem que sente dor folga contigo,
Homem que tem prazer folga de ver-te!
Contigo simpatizam, porque és bela,
Qu'és mãe de merencórios pensamentos,
Entre os céus e a terra êxtasis doce,
Entre dor e prazer celeste, arroubo.
II
A brisa que murmura na folhagem,
As aves que pipitam docemente,
A estrêla que desponta, que rutila,
Com duvidosa luz ferindo os mares,
O sol que vai nas águas sepultar-se
Tingindo o azul dos céus de branco e d'oiro;
Perfumes, murmurar, vapôres, brisa,
Estrêlas, céus e mar, e sol e terra,
Tudo existe contigo, e tu és tudo.
III
Homem que vive agro viver de côrte,
Indiferente olhar derrama a custo
Sôbre os fulgores teus; - homem do mundo
Mal pode o desbotado pensamento
Revolver sôbre o pó; mas nunca, oh nunca!
Há de elevar-se a Deus, e nunca há de ele
Na abóbada celeste ir pendurar-se,
Como de rósea flor pendente abelha.
Homem da natureza, êsse contemple
De púrpura tingir a luz que morre
As nuvens lá no ocaso vacilante!
Há de vida melhor sentir no peito,
Sentir doce prazer sorrir-lhe n'alma,
E fonte de ternura inesgotável
Do fundo coração brotar-lhe em ondas.
Hora do pôr do sol! - hora fagueira,
Qu'encerras tanto amor, tristeza tanta!
Quem há que de te ver não sinta enlevos,
Quem há na terra que não sinta as fibras
Tôdas do coração pulsar-lhe amigas,
Quando dêsse teu manto as pardas franjas
Soltas, roçando a habitação dos homens?
Há i prazer tamanho que embriaga,
Há i prazer tão puro, que parece
Haver anjos dos céus com seus acordes
A mísera existência acalentado!
IV
Sócio do forasteiro, tu, saudade,
Nesta hora os teus espinhos mais pungentes
Cravas no coração do que anda errante.
Só êle, o peregrino, onde acolher-se,
Não tem tugúrio seu, nem pai, nem 'spôsa,
Ninguèm que o espere com o sorrir nos lábios
E paz no coração, - ninguém que estranhe,
Que anseie aflito de o não ver consigo!
Cravas então, Saudade, os teus espinhos;
E êles, tão pungentes, tão agudos,
Virando o coração de um lado a outro,
Nem trazem dor, nem desespêro incitam;
Mas remanso de dor, mas um suave
Recordar do passado, - um quê de triste
Que ri ao coração, chamando aos olhos
Tão espontâneo, tão fagueiro pranto,
Que não fôra prazer não derramá-lo.
E quem - ah tão feliz! - quem peregrino
Sôbre a terra não foi? Quem sempre há visto
Sereno e brando a deslizar-se o fumo
Sôbre os tetos dos seus; e sôbre os cumes
Que os seus olhos hão visto à luz primeira
Crescer branca neblina que se enrola,
Como incenso que aos céus a terra envia?
Tão feliz! quando a morte envôlta em pranto
Com gelado suor lh'enerva os membros,
Procura inda outra mão coa mão sem vida,
E o extremo cintilar dos olhos baços,
De um ente amado procurando os olhos,
Sem prazer, mas sem dor, ali se apaga.
O exilado! êsse não; tão só na vida,
Como no passamento êrmo e sòzinho,
Sente dores cruéis, torvos pesares
Do leito aflito esvoaçar-lhe em tôrno,
Roçar-lhe o frio, o pálido semblante,
E o instante derradeiro amargurar-lhe.
Porém, no meu passar da vida à morte,
Possa co'a extrema luz dêstes meus olhos
Trocar último adeus com os teus fulgores!
Ah! possa o teu alento perfumado,
Do que na terra estimo, docemente
Minha alma separar, e derramá-la
Como um vago perfume aos pés do Eterno.
Mãe da meditação, meu doce encanto!
Os rogos da minha alma enfim ouviste,
E grato refrigério vens trazer-lhe
No teu remansear prenhe de enlevos!
Enquanto de te ver gostam meus olhos,
Enquanto sinto a minha voz nos lábios,
Enquanto a morte me não rouba à vida,
Um hino em teu louvor minha alma exala,
Ó tarde, ó bela tarde, ó meus amôres!
I
É bela a noite, quando grave estende
Sôbre a terra dormente o negro manto
De brilhantes estrêlas recamado;
Mas nessa escuridão, nesse silêncio
Que ela consigo traz, há um quê de horrível
Que espanta e desespera e geme n'alma;
Um quê de triste que nos lembra a morte!
No romper d'alva há tanto amor, tal vida,
Há tantas côres, brilhantismo e pompa,
Que fascina, que atrai, que a amar convida;
Não pode suportá-la homem que sofre,
Órfãos de coração não podem vê-la.
Só tu, feliz, só tu, a todos prendes!
A mente, o coração, sentidos, olhos,
A ledice e a dor, o pranto e o riso,
Folgam de te avistar; - são teus, - és dêles.
Homem que sente dor folga contigo,
Homem que tem prazer folga de ver-te!
Contigo simpatizam, porque és bela,
Qu'és mãe de merencórios pensamentos,
Entre os céus e a terra êxtasis doce,
Entre dor e prazer celeste, arroubo.
II
A brisa que murmura na folhagem,
As aves que pipitam docemente,
A estrêla que desponta, que rutila,
Com duvidosa luz ferindo os mares,
O sol que vai nas águas sepultar-se
Tingindo o azul dos céus de branco e d'oiro;
Perfumes, murmurar, vapôres, brisa,
Estrêlas, céus e mar, e sol e terra,
Tudo existe contigo, e tu és tudo.
III
Homem que vive agro viver de côrte,
Indiferente olhar derrama a custo
Sôbre os fulgores teus; - homem do mundo
Mal pode o desbotado pensamento
Revolver sôbre o pó; mas nunca, oh nunca!
Há de elevar-se a Deus, e nunca há de ele
Na abóbada celeste ir pendurar-se,
Como de rósea flor pendente abelha.
Homem da natureza, êsse contemple
De púrpura tingir a luz que morre
As nuvens lá no ocaso vacilante!
Há de vida melhor sentir no peito,
Sentir doce prazer sorrir-lhe n'alma,
E fonte de ternura inesgotável
Do fundo coração brotar-lhe em ondas.
Hora do pôr do sol! - hora fagueira,
Qu'encerras tanto amor, tristeza tanta!
Quem há que de te ver não sinta enlevos,
Quem há na terra que não sinta as fibras
Tôdas do coração pulsar-lhe amigas,
Quando dêsse teu manto as pardas franjas
Soltas, roçando a habitação dos homens?
Há i prazer tamanho que embriaga,
Há i prazer tão puro, que parece
Haver anjos dos céus com seus acordes
A mísera existência acalentado!
IV
Sócio do forasteiro, tu, saudade,
Nesta hora os teus espinhos mais pungentes
Cravas no coração do que anda errante.
Só êle, o peregrino, onde acolher-se,
Não tem tugúrio seu, nem pai, nem 'spôsa,
Ninguèm que o espere com o sorrir nos lábios
E paz no coração, - ninguém que estranhe,
Que anseie aflito de o não ver consigo!
Cravas então, Saudade, os teus espinhos;
E êles, tão pungentes, tão agudos,
Virando o coração de um lado a outro,
Nem trazem dor, nem desespêro incitam;
Mas remanso de dor, mas um suave
Recordar do passado, - um quê de triste
Que ri ao coração, chamando aos olhos
Tão espontâneo, tão fagueiro pranto,
Que não fôra prazer não derramá-lo.
E quem - ah tão feliz! - quem peregrino
Sôbre a terra não foi? Quem sempre há visto
Sereno e brando a deslizar-se o fumo
Sôbre os tetos dos seus; e sôbre os cumes
Que os seus olhos hão visto à luz primeira
Crescer branca neblina que se enrola,
Como incenso que aos céus a terra envia?
Tão feliz! quando a morte envôlta em pranto
Com gelado suor lh'enerva os membros,
Procura inda outra mão coa mão sem vida,
E o extremo cintilar dos olhos baços,
De um ente amado procurando os olhos,
Sem prazer, mas sem dor, ali se apaga.
O exilado! êsse não; tão só na vida,
Como no passamento êrmo e sòzinho,
Sente dores cruéis, torvos pesares
Do leito aflito esvoaçar-lhe em tôrno,
Roçar-lhe o frio, o pálido semblante,
E o instante derradeiro amargurar-lhe.
Porém, no meu passar da vida à morte,
Possa co'a extrema luz dêstes meus olhos
Trocar último adeus com os teus fulgores!
Ah! possa o teu alento perfumado,
Do que na terra estimo, docemente
Minha alma separar, e derramá-la
Como um vago perfume aos pés do Eterno.
quarta-feira, 23 de março de 2011
Fagundes Varela, A Ascensão de Jesus Cristo; BH, 0230302011.
I) 1 - O pôr do sol.
Entre esplêndidas nuvens purpurinas,
Mergulhava-se o sol, e os frescos vales
Abriam seus tesouros de perfumes
Aos bafejos das asas suspirosas
Que desciam dos montes do Ocidente.
2 - Os Apóstolos.
Sôbre um risonho outeiro reunidos,
Escutavam os homens do Evangelho,
As predições supremas, as sentenças,
E as derradeiras instruções do Mestre.
3 - A aldeia.
A sossegada aldeia de Betânia
Se estende a seus pés, pobre, singela,
Como um plácido ninho de andorinhas
No meio de um vergel.
II) 4 - As instruções de Cristo.
- "Pobres amigos!"
O Redentor falou, "em vossas almas,
Eu plantei as sementes da Verdade.
Não as deixeis morrer, tenham embora,
Em vez de orvalho, lágrimas de sangue!
Deus vos dará valor. Eu parto e deixo
Em vossas mãos a sorte do Universo!
Buscai os tristes, procurai os pobres,
E o bálsamo divino da esperança,
Nas feridas vertei, dos desgraçados.
Voai à zona tórrida e às planícies,
Onde perpétuos gelos se aglomeram;
Ensinai aos mortais as leis do Eterno,
A pureza celeste dos costumes,
O perdão das mais ásperas ofensas!
E em nome do Senhor pregai ao mundo
As mais belas das lúcidas virtudes:
A Esperança, a Fé e a Caridade!"
5 - A transfiguração.
Falava o Salvador, seu santo rosto
Fulgurante se tornava, seus olhos
De inefáveis clarões se iluminavam,
E a túnica mesquinha e desbotada,
Da brancura da neve se abria.
III) 6 - A Ascensão.
Os amigos prostraram-se embebidos
Em êxtase divino; o grande Mestre
Sôbre eles estendeu as mãos brilhantes,
Volveu aos céus o rosto glorioso,
E, deixando de manso a terra e os homens,
Ergueu-se, ergueu-se pelos vastos ares
Até librar-se no sidério espaço,
Como longínqua estrela rutilante!
Por fim perdeu-se além, na imensidade,
Onde não chega o pensamento humano!
- Aqui termina a história do Calvário.
Entre esplêndidas nuvens purpurinas,
Mergulhava-se o sol, e os frescos vales
Abriam seus tesouros de perfumes
Aos bafejos das asas suspirosas
Que desciam dos montes do Ocidente.
2 - Os Apóstolos.
Sôbre um risonho outeiro reunidos,
Escutavam os homens do Evangelho,
As predições supremas, as sentenças,
E as derradeiras instruções do Mestre.
3 - A aldeia.
A sossegada aldeia de Betânia
Se estende a seus pés, pobre, singela,
Como um plácido ninho de andorinhas
No meio de um vergel.
II) 4 - As instruções de Cristo.
- "Pobres amigos!"
O Redentor falou, "em vossas almas,
Eu plantei as sementes da Verdade.
Não as deixeis morrer, tenham embora,
Em vez de orvalho, lágrimas de sangue!
Deus vos dará valor. Eu parto e deixo
Em vossas mãos a sorte do Universo!
Buscai os tristes, procurai os pobres,
E o bálsamo divino da esperança,
Nas feridas vertei, dos desgraçados.
Voai à zona tórrida e às planícies,
Onde perpétuos gelos se aglomeram;
Ensinai aos mortais as leis do Eterno,
A pureza celeste dos costumes,
O perdão das mais ásperas ofensas!
E em nome do Senhor pregai ao mundo
As mais belas das lúcidas virtudes:
A Esperança, a Fé e a Caridade!"
5 - A transfiguração.
Falava o Salvador, seu santo rosto
Fulgurante se tornava, seus olhos
De inefáveis clarões se iluminavam,
E a túnica mesquinha e desbotada,
Da brancura da neve se abria.
III) 6 - A Ascensão.
Os amigos prostraram-se embebidos
Em êxtase divino; o grande Mestre
Sôbre eles estendeu as mãos brilhantes,
Volveu aos céus o rosto glorioso,
E, deixando de manso a terra e os homens,
Ergueu-se, ergueu-se pelos vastos ares
Até librar-se no sidério espaço,
Como longínqua estrela rutilante!
Por fim perdeu-se além, na imensidade,
Onde não chega o pensamento humano!
- Aqui termina a história do Calvário.
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