sábado, 25 de junho de 2011

Nietzsche, O Filósofo e a Velhice; BH, 0240602011.

Não é sábio deixar que a tarde julgue o dia: pois com muita frequência
O cansaço se torna justiceiro da força, do sucesso e da boa vontade.
Igualmente a mais extrema prudência deveria ser imposta à velhice e a
Seu julgamento sobre a vida, visto que a velhice, precisamente como a
Tarde, gosta de manter as aparências de uma nova e sedutora moralidade
E sabe humilhar o dia pelo vermelho de seu acaso, seus crepúsculos, sua
Calma pacífica ou nostálgica.
O respeito que testemunhamos ao velho, sobretudo se esse ancião é um
Velho pensador e um velho sábio, mas torna facilmente cegos a respeito do
Envelhecimento de seu espírito e é sempre necessário colocar à luz os
Sintomas de semelhante envelhecimento e cansaço, isto é, mostrar o
Fenômeno fisiológico que esconde atrás do juízo e do preconceito moral, a
Fim de não nos tornarmos os tolos da piedade e de não prejudicar o
Conhecimento.
De fato, não é raro que a ilusão de uma grande renovação moral e de uma
Regeneração se apodere do ancião e que, a partir desse sentimento, este
Emitia, sobre a obra e o desenvolvimento de sua vida, juízos que poderiam
Levar a crer que acaba de chegar precisamente à clarividência: entretanto, a
Inspiradora desse bem-estar e desse juízo de segurança não é a sabedoria,
Mas o cansaço.
O sinal mais perigoso dessa fadiga é certamente a crença no gênio que
Geralmente não se apodera, senão a partir dessa idade da vida, dos grandes
E semi-grandes homens do pensamento: a crença numa posição excepcional
E em direitos excepcionais.
O pensador que possui esse gênio se considera então livre para levar as coisas
Com superficialidade e decretar mais do que demonstrar: mas é provável que
Seja precisamente a necessidade dessa superficialidade que comprove o
Cansaço do espírito, que é a principal fonte dessa crença, que a precede no
Tempo, embora não apareça.
Além disso, queremos usufruir nesse momento resultados de nossos pensamentos,
Em conformidade com a necessidade de fruição comum a todos os cansados e a
Todos os anciãos; em lugar de examinar novamente esses resultados e recomeçar
A semeá-los, temos necessidade para isso de prepará-los para um gosto novo,
Para torná-los comestíveis e tirar-lhes a secura, a frieza e a falta de sabor: é o que
Faz com que o velho pensador se eleve aparentemente acima da obra de sua vida,
Enquanto na realidade ele a estraga pela exaltação, pelas doçuras, pelos azedumes,
Pelo nevoeiro poético e pelas luzes místicas que lhe mistura.
O que aconteceu a Platão foi o que acabou por acontecer a esse grande francês
Íntegro, ao lado do qual os alemães e ingleses deste século não podem colocar
Ninguém - ninguém como ele soube tomar e dominar as ciências exatas - Augusto
Comte.
Terceiro sintoma de cansaço: essa ambição que agitava o peito do grande pensador
Quando era jovem e que então não encontrava em parte alguma como satisfazer,
Essa ambição também envelheceu; como alguém que não tem mais nada a perder,
Ela se apodera dos meios de satisfação e mais imediatos, isto é, aqueles das
Naturezas ativas, dominadoras, violentas, conquistadoras: a partir de então quer
Fundar instituições que levem seu nome, em vez de fundar edifícios de ideias.
Que lhe importam agora as vitórias e as honras etéreas do reino das demonstrações!
O que é para ele uma imortalidade pelos livros, uma euforia tumultuosa na alma de
Um leitor!
Em compensação, a instituição é um templo - ele bem o sabe, e um templo de pedra,
Construído para durar, mantendo seu deus em vida muito mais seguramente que o
Sacrifício de almas ternas e raras.
Talvez encontre também, nessa época, pela primeira vez esse amor que se dirige mais
A um deus que a um homem, então todo o seu ser se acalma e se amolece aos raios
Desse sol, como um fruto no outono.
Sim, ele se torna também mais divino e mais belo, o grande ancião - e é, apesar de
Tudo, a idade e a fadiga que lhe permitem amadurecer assim, tornar-se silencioso e
Repousar na idolatria radiosa de uma mulher.
Agora conseguiu fazer de seu antigo desejo altaneiro discípulos verdadeiros, desejo
Superior até mesmo a seu próprio eu, discípulos que seriam o verdadeiro prolongamento
De seu pensamento, isto é, adversários: esse desejo tinha sua fonte numa força intacta, na
Altivez consciente e na certeza de poder tornar-se, ele também, a todo momento, o
Adversário e o inimigo irreconciliável de sua própria doutrina - agora necessita resolutos,
Camaradas sem escrúpulos, arautos, um cortejo pomposo.
Agora não é mais capaz de suportar o isolamento terrível em que vive todo o espírito que
Torna seu voo sempre à frente dos outros, cerca-se a partir de então de objetos de
Veneração, de comunhão, de enternecimento e de amor, quer finalmente gozar dos mesmos
Privilégios que todos os homens religiosos e celebrar o que venera na comunidade; irá até
O ponto de inventar uma religão para ter essa comunidade.
É assim que vive o velho sábio e acaba por cair imperceptivelmente numa vizinhança tão
Aflitiva dos excessos clericais e poéticos que mal se ousa pensar em sua juventude sábia
E severa, em sua rígida moralidade cerebral de então, em seu horror viril pelas iluminações
Súbitas e divagações.
Outrora, quando se comparava com outros pensadores mais velhos, era para medir
Seriamente sua fraqueza em relação à força deles e para se tornar mais frio e mais leve livre
Com relação a si próprio: agora não se entrega mais a essa comparação a não ser para se
Embriagar com sua própria ilusão.
Outrora pensava com confiança nos pensadores do futuro e via-se a si mesmo com deleite
Desaparecer um dia em sua luz mais brilhante: agora está atormentado pela idéia de não poder
Ser o último, pensa nos meios de impor aos homens, com a herança que lhes lega, uma limitação
De seu pensamento soberano, receia e calunia a altivez e a sede de liberdade dos espíritos
Individuais; - depois dele, mais ninguém deve dar livre curso a seu intelecto: ele próprio 
Quer ser para sempre o dique onde batem sem cessar as ondas do pensamento - esses 
São seus desejos muitas vezes secretos e nem sempre confessados!
Mas a dura realidade que se esconde por trás desses desejos é que ele mesmo se deteve
Diante de sua doutrina, com ela traçou para si um limite, um "até aqui e não mais longe".
Canonizando-se, redigiu também sua sentença de morte: daí em diante seu espírito 
Não tem o direito de se desenvolver, seu tempo terminou, o ponteiro parou.
Quando um grande pensador quer fazer de si mesmo uma instituição,  
Cooptando a humanidade do futuro, pode-se admitir com certeza que ele além do  
Apogeu de sua força, que está muito cansado e  muito próximo de seu declínio.     

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