segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

José Saramago, Balada; BH, 0270202012.

Dei a volta ao continente
Sem sair deste lugar 
Interroguei toda a gente 
Como o cego ou o demente 
Cuja sina é perguntar
Ninguém me soube dizer
Onde estavas e vivia
(Já cansados de esquecer 
Só vivos para morrer 
Perdiam a conta aos dias)
Puxei da minha viola 
Na soleira me sentei
Com a gamela da esmola
Com pão duro na sacola 
Desiludido cantei
Talvez dissesse romanças 
Ou cantigas de encantar 
Aprendidas nas andanças 
Das poucas aventuranças 
De quem não soube esperar
Andavam longe os teus passos 
Nem as cantigas ouviste 
Vivias presa nos laços 
Que faziam outros braços 
No teu corpo que despiste
Quanto tempo ali fiquei 
Sangrando os dedos nas cordas 
Quantos arrancos soltei 
Nesta fome que criei 
Nem eu sei nem tu recordas 
Porque nunca tos contei
Até que um dia cansaste 
(Era pó não era monte) 
Outra lembrança deixaste 
E nas águas desta fonte 
A tua sede mataste 
— O arco da minha ponte

Nenhum comentário:

Postar um comentário