Só quem escreve num silêncio duma madrugada
Sabe o prazer que é escrever num silêncio duma madrugada
A pior coisa é quando passa um automóvel estúpido
Ou uma motocicleta ensandecida a perturbar o silêncio
A quebrar a inspiraçã a escurecer a imaginação
A turvar a visão da sonora criatividade em oração
Imagino que há neste mundo bilhões de seres solitários
Num silêncio duma madrugada a imortalizar suas reminiscências
Por prazer ou por sofrimento por lucro ou por obrigação
Como um profissional comprometido com a satisfação
Só quem escreve num silêncio duma madrugada
Pode saber o que quer dizer isto screver num silêncio duma madrugada
De companhia só os ruídos os fantasmas seus rumores
As almas seus soluços os lobisomens seus urros
Os espíritos suas falas onde tudo parece tão assustador
Sobrenatural que quem escreve só falta virar criança medrosa
São apenas impressões de rumores uma rajada de vent
Um automático de geladeira que a desliga ou a põe a funcionar
Um ranger de porta ou portão um bater de janela
Ou um esfregar de pés o que não faltam são sombras
Vultos penumbras assobios de viagens de miragens
Tudo que está morto parece ganhar vida onde tudo que está vivo
Parece morto mesmo quando é um prazer pavoroso
Porém não deixa de ser um prazer pavoroso
Escrever no silêncio duma madrugada
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