quinta-feira, 20 de agosto de 2020

"Originais", RJ/1980, E sou uma incógnita; Publicado: BH, 0200802020.

E sou uma incógnita

Um ser obscuro

E sou um ser pré-maturo

Não tenho mecanismo

E nem tenho organismo

Não tenho nenhum magnetismo

E sou um ser sem flexibilidade

Não influencio ninguém

E nem tenho capacidade

E nem estrutura

E sou um dilema

Um quebra-cabeça

Uma dor de cabeça

Um beco sem saída

E sou tal o cruzeiro

Desvlorizo a cada dia

Desanimo a cada segundo

E me perco a cada minuto

E me desinteresso a cada hora

E vou abandonar o barco

Não adianta mais remar

Não vai dar para continuar a remar

Minha canoa está furada

E não estou com nada

E não sei de nada

Sou uma ilha

Perdida em pleno alto mar

Perdida nesse imenso oceano

Longe do próprio sol

A morrer em claras sombras

A vagar sem parar

E sou uma armadilha

Uma ratoeira

Uma arapuca

E sou um veneno

Pirata perigoso

Jagunço criminoso

Cangaceiro sedento

De sangue e morte

De carne e ódio e raiva

E sou a seca

Trago a desgraça

Montada no cangote

Sou a miséria

Uma disgrama

Sou uma disgreta

Um pobre garrote

que morreu sem água

Longe da manada

Sou um pote de barro seco

Uma moringa vazia

E sou uma cuia quebrada

Uma peneira rasgada

Um pilão sem mão

Uma enxada sem cabo

E sou um crápula

Um rábula de porta de cadeia

E sou a areia do deserto.

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