segunda-feira, 17 de agosto de 2020

"Originais", RJ/1980, Sertão; Publicado: BH, 0170802020.

Sertão

Carne seca rapadura

Farinha viola

Sanfona violão

Morte vida se confundem

Quando seca o açude

A seca seca o sangue das veias

O sol gela o coração

Apodrecem bichos nas estradas

A vaquinha magra morta

Abandonada povoada de vermes

Não dá para aproveitar nada

O caminhão do pau de arara

Levanta poeira

Na alma dos retirantes

Sertanejo parte desgraçado

Com a família do roçado

Foi para aonde não se sabe

As pegadas se perderam

Nos estrados das estradas

Corpos se perderam na caatinga

O vento leva os vestígios das

Vertigens dessa seca para longe

Não refresca da garganta do homem

O seu canto de desespero e

Perdeu tudo do que não tinha

A mulher a criança o gato

O cachorro sumiu no mato morto

Atrás dum trem qualquer

O forró morreu

O baião aboiou

O xaxado estacou no chão

A seca chegou ô xente

Cabra da peste desmunhecou

Larga de morrer lá dignamente

Para morrer na cidade indigente

E nos rios temporários

Peixes nadam na areia incandescente

Cadáveres pescam

Seus esqueletos ardentes

E os bernes comem

As tripas das buchadas

Jogadas do lado de fora

Pelos cantos dos caminhos

Inclementes dos desencantos.

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