sexta-feira, 8 de junho de 2012

Paulo Mendes Campos, Poema didático; BH, 080602012.


Não vou sofrer mais sobre as armações metálicas do mundo 
Como o fiz outrora, quando ainda me perturbava a rosa. 
Minhas rugas são prantos da véspera, caminhos esquecidos, 
Minha imaginação apodreceu sobre os lodos do Orco. 
No alto, à vista de todos, onde sem equilíbrio precipitei-me,
Clown de meus próprios fantasmas, sonhei-me, 
Morto do meu próprio pensamento, destruí-me, 
Pausa repentina, vocação de mentira, dispersei-me, 
Quem sofreria agora sobre as armações metálicas do mundo, 
Como o fiz outrora, espreitando a grande cruz sombria 
Que se deita sobre a cidade, olhando a ferrovia, a fábrica, 
E do outro lado da tarde o mundo enigmático dos quintais. 
Quem, como eu outrora, andaria cheio de uma vontade infeliz, 
Vazio de naturalidade, entre as ruas poentas do subúrbio


E montes cujas vertentes descem infalíveis ao porto de mar ?
Meu instante agora é uma supressão de saudades. instante 


Parado e opaco.
Difícil se me vai tornando transpor este rio 
Que me confundiu outrora. 
Já deixei de amar os desencontros. 
Cansei-me de ser visão, agora sei que sou real em um mundo real. 
Então, desprezando o outrora, impedi que a rosa me perturbasse. 
E não olhei a ferrovia – mas o homem que sangrou na ferrovia - 
E não olhei a fábrica – mas o homem que se consumiu na fábrica - 
E não olhei mais a estrela – mas o rosto que refletiu o seu fulgor. 
Quem agora estará absorto? 
Quem agora estará morto ? 
O mundo, companheiro, decerto não é um desenho 
De metafísicas magnificas (como imaginei outrora) 
Mas um desencontro de frustrações em combate. 
Nele, como causa primeira, existe o corpo do homem 
- Cabeça, tronco, membros, as pirações e bem estar…
E só depois consolações, jogos e amarguras do espírito. 
Não é um vago hálito de inefável ansiedade poética 
Ou vaga advinhação de poderes ocultos, rosa 
Que se sustentasse sem haste, imaginada, como o fiz outrora. 
O mundo nasceu das necessidades. 
O caos, ou o Senhor, 
Não filtraria no escuro um homem inconsequente, 
Que apenas palpitasse no sopro da imaginação. 
O homem é um gesto que se faz ou não se faz. 
Seu absurdo - se podemos admiti-lo – não se redime em injustiça. 
Doou-nos a terra um fruto. 
Força é reparti-lo 
Entre os filhos da terra. 
Força – aos que o herdaram - 
É fazer esse gesto, disputar esse fruto. 
Outrora, 
Quando ainda sofria sobre as armações metálicas do mundo, 
Acuado como um cão metafísico, eu gania para a eternidade, 
Sem compreender que, pelo simples teorema do egoísmo, 
A vida enganou a vida, o homem enganou o homem. 
Por isso, agora, organizei meu sofrimento ao sofrimento 
De todos: se multipliquei a minha dor, 
Também multipliquei a minha esperança.

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