sexta-feira, 29 de junho de 2012

Portal Vermelho, Doze Autores: Especial Dia do Orgulho Gay; BH, 0290602012.


Como é possível perceber pelo layout, o Livros abertos é um blog colorido. No dia 28 de junho, Dia do Orgulho Gay, resolvi reunir autores homossexuais e bissexuais como forma de aludir a um tema extremamente urgente: a luta pelo fim da homofobia. A luta pela liberdade de ser — e a literatura é, para mim, a máxima liberdade de ser, de criar, de transformar.


Os poetas e escritores presentes nesta lista são talentosos apesar de terem mantido relacionamentos com pessoas do mesmo sexo? Não. São talentosos e mantiveram relacionamentos com pessoas do mesmo sexo, e nos presentearam com obras magníficas em poesia e em prosa. É importante perceber a quebra de paradigmas que seu comportamento e seu posicionamento (quando houve) representaram em determinadas épocas, o que já significou certa luta em prol da causa gay — alguns com maior impacto, outros, mais discretos, com menor. Todos, de alguma maneira, traduziram na escrita os seus sentimentos e sua visão.

Federico García Lorca

Foi um dos alvos do conservadorismo espanhol, visto que não escondia suas tendências socialistas e homossexuais. Com o argumento de que era “mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver”, teve sua prisão decretada por um deputado enquanto estava em Granada. Sem julgamento, foi executado pelos nacionalistas com um tiro na nuca. Em função da homossexualidade, diz-se que García Lorca foi fuzilado de costas.

Soneto da carta


Amor, que a vida em morte em mim convertes,
Espero em vão tua palavra escrita
E, flor a se murchar, meu ser medita
Que se vivo sem mim quero perder-te.

É infinito o ar. A pedra inerte
Nada sabe da sombra e não a evita.
Íntimo, o coração não necessita
Do congelado mel que a lua verte.

Por ti rasguei as veias às dezenas,
Tigre e pomba, cobrindo-te a cintura
Com luta de mordiscos e açucenas.

Tuas palavras encham-me a loucura
Ou deixa-me viver minha serena
E infinda noite da alma, escura, escura.

(Tradução de Afonso Félix de Sousa)



Elizabeth Bishop

Nascida em Worcester, Elizabeth, depois de ganhar algum dinheiro com o reconhecimento pelo seu trabalho, decidiu viajar pela América do Sul. Desembarcou em Santos em 1951. Esperava permanecer no Brasil por poucos dias, mas prolongou a estadia por duas décadas — tudo porque conheceu, aqui, a paisagista e urbanista Lota de Oliveira Soares.

A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.

(Tradução de Paulo Henriques Britto
)


Safo de Lesbos

Devido ao conteúdo erótico, sua poesia sofreu censura pelos monges copistas. Restaram apenas fragmentos. Sua vida pessoal é controversa, embora permaneça “uma referência para lésbicas por seu olhar sensual sobre mulheres, em especial no Fragmento 31, em que se imagina em um triângulo amoroso, observando cheia de desejo a mulher que flerta com um homem”. [Sophie Mayer]

E agora, ó companheira bem amada,
querem levar-te para longe do meu peito,
como fazem também às jovens corças.

Adoro, mais que tudo, a flor da juventude.
Meu coração apaixonou-se pelo sol,
meu coração apaixonou-se pela beleza.

Igual aos deuses me parece
quem a teu lado vai sentar-se,
quem saboreia a tua voz
mais as delícias desse riso.

Quem me derrete o coração
e o faz bater sobre os meus lábios.
Assim que vejo esse teu rosto,
quebra-se logo a minha voz,

seca-me a língua entre os dentes,
corre-me um fogo sob a pele,
ficam-me surdos os ouvidos
e os olhos cegos de repente.

Torna-se líquido o meu corpo:
transpiro e tremo ao mesmo tempo.
Vejo-me verde: mais que a erva.
Só por acaso é que não morro.

Mergulha o teu corpo nesta água clara;
veste-lhe a brancura de açafrão e púrpura;
e o bordado brilho que há na tua túnica
aumente a beleza que me é tão cara…

A morte não é um bem.
Os próprios deuses o sabem.
Eles preferiram viver…



Caio Fernando Abreu

Homossexual assumido, chegou a escrever sobre a temática gay. Descreve as relações entre homens como naturais e espontâneas.

“Sôfrego, torno a anexar a mim esse monólogo rebelde, essa aceitação ingênua de quem não sabe que viver é, constantemente, construir, não derrubar. De quem não sabe que esse prolongado construir implica em erros, e saber viver implica em não valorizar esses erros, ou suavizá-los, distorcê-los ou mesmo eliminá-los para que o restante da construção não seja abalado. Basta uma pausa, um pensamento mais prolongado para que tudo caia por terra. Recomeçar é doloroso. Faz-se necessário investigar novas verdades, adequar novos valores econceitos. Não cabe reconstruir duas vezes a mesma vida numa única existência. Por isso me esquivo, deslizo por entre as chamas do pequeno fogo, porque elas queimam. Queimar também destrói.”

Jean Cocteau

Ainda que nunca tenha escondido sua homossexualidade, teve rápidos e intensos relacionamentos com mulheres. Publicou um considerável número de ensaios criticando a homofobia.

Arthur Rimbaud

Rimbaud enviou para Paul Verlaine amostras de sua obra. Recebeu, então, um convite para residir na casa do poeta. Este, que era casado, apaixonou-se prontamente pelo adolescente calado, de olhos azuis e cabelo castanho-claro comprido. Enquanto é provável que Verlaine já havia tido um caso homossexual, ainda permanece incerto se o relacionamento com Verlaine foi o primeiro de Rimbaud. Os amantes levaram uma vida ociosa, regada a absinto e haxixe. Escandalizaram o círculo literário parisiense por causa do comportamento ultrajante de Rimbaud, o arquetípico enfant terrible, que durante este período continuou a escrever notáveis versos visionários.

Virginia Woolf

Bissexual. Ainda que fosse casada, é sabido que manteve um romance com Vita Sackville-West, também escritora.



“E Vita vem almoçar amanhã, o que será muito divertido e agradável. Minhas relações com ela me divertem: tão ardente em janeiro – agora, como será? Também gosto da sua presença e beleza. Estarei apaixonada por ela? Mas o que é o amor? O fato de ela estar “apaixonada” por mim (deve ser assim entre aspas) me excita, e lisonjeia, e interessa. O que é esse “amor”? Ah, e depois ela gratifica minha eterna curiosidade: quem ela viu, o que fez – pois não tenho alta opinião sobre a poesia dela.”
(1924? Diário de Virginia)

Marcel Proust

A homossexualidade é tema recorrente em sua obra, principalmente em Sodoma e Gomorra e nos volumes subsequentes. Foi, percebe-se, um dos primeiros romancistas a tratar o tema de forma aberta e detalhada.

Gertrude Stein

Alice B. Toklas era companheira de Gertrude Stein. Entretanto, embora haja muita especulação, qualquer uma delas jamais pronunciou a palavra “lésbica”. Henry James foi quem cunhou a expressão “Boston marriage”, ou “casamento bostoniano”, típica do século XIX norte-americano: “Em sociedade patriarcal, serviu e ainda serve para descrever o lar onde duas amigas vivem como irmãs, compartilhando o mesmo teto sem a companhia, o apoio ou a provedoria masculina. A atual crise econômica global trouxe de volta núcleo familiar semelhante. No novo milênio, são mães solteiras que se reúnem com os filhos numa única casa, ‘with no role for men or romance.’” O cunhador do termo, o próprio James, não mencionou, à maneira da época, a natureza das relações: “(…) não deixou claro se a expressão casamento bostoniano recobria relações onde a intimidade emocional era duplicada pelo contato físico — relações lésbicas. (…) A escrita geralmente ascética ou assexuada de Gertrude Stein também exige que não se confunda o pseudoartista histérico com o verdadeiro artista santo.” Entretanto, é um consenso entre os estudiosos de Stein que havia, sim, uma relação de cunho homossexual entre as duas: Gertrude e Alice eram parceiras.

Allen Ginsberg

Ao ingressar na Universidade de Columbia, fez amizade com um grupo de jovens delinquentes, filósofos de almas selvagens (entre eles Jack Kerouac), obcecados igualmente por drogas, sexo e literatura. Ao mesmo tempo em que ajudava os amigos a desenvolverem os seus talentos literários, Allen experimentava drogas, frequentava bares gays em Greenwich Village e vivia seus affairs homossexuais.

Oscar Wilde

Wilde sempre defendeu “o amor que não ousa dizer o nome”, definição sobre a homossexualidade, como forma de mais perfeita afeição e amor.

Simone de Beauvoir

Era bissexual. Na obra O segundo sexo, fala abertamente da sua sexualidade e das relações que mantinha com as alunas. Ela defendia e participava de triângulos amorosos, inclusive com o filósofo Jean-Paul Sartre, com quem compartilhava amantes.


Fonte: site Livros Abertos

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